sexta-feira, dezembro 28, 2007

Carta a Inácio






Recife, 13 de março de 1987.







Inácio,



sabe a emoção de realizar algo que julgava já perdido? Como deve ser o sentimento de um segundo lugar fadado à medalha de prata que encontra num último momento o fôlego para chegar ao ouro. É esse o meu estado de espírito no momento.

Contudo, se acha que um alívio me acompanha, engana-se. Carrego nestas letras o regozijo do orgulho de vê-lo tentar se redimir. Não que me admire a sua atitude, pois se arrepender com atraso de décadas é facílimo, mas que, nesse jogo destrutivo chamado vida, enfim me sinto campeã em relação a você. Não ganho nada com isto, porém a sua redenção, embora tardia, me liberta. Ela me desata dos grilhões que você deixou ao partir.

Saiba, Inácio, que você levou consigo parte de mim. E esta parte, que tanto me fez falta, não me foi recuperada com o tempo. Além de me tirar o chão naquela época, você me roubou a capacidade de acreditar numa nova chance de ser feliz. Tive seqüestrada por você a confiança de que precisava para recomeçar minha vida. Menos me dói perceber que você foi covarde comigo. Afinal, assuntos do meu coração não dependem apenas da intensidade de sentimento, mas também de valores os quais você nunca sequer demonstrou: coragem e honestidade.

O que realmente me afligiu à época, e sedimentou-se ao longo dos anos, foi sua fuga de responsabilidade para com seus filhos. A mim você não deve perdão. A mim vôcê não deve respeito. Afinal, estes já foram sacrificados tempos atrás, quando a porta agora à minha frente fechou-se ante suas costas para sempre. Porém, os laços com seus filhos, voluntariamente rompidos por sua própria iniciativa, cruelmente formam cicatrizes invisíveis, que sangram sempre que as memórias aparecem. Estes laços, Inácio, não afirmo serem irrecuperáveis, mas prezo que, para serem refeitos, tenha a magnitude da justiça frente à crueldade com a qual foram cortados.

Respondo-te com a aflição de uma mãe que teme as portas reabertas. Sei que hoje meus filhos não mais são crianças, e que do alto da maturidade, seriam capazes de absorver o seu inesperado pronunciamento. Contudo, após refletir bastante sobre o tema, resolvi por enquanto nao revelar-lhes as novidades.

Note nossas diferenças: enquanto em sua carta você tratou de seus filhos como um ponto obrigatório, trago-os como o meu assunto principal. Pois acompanhei de perto os desdobramentos de sua ausência nos meus ultra-esforços de duplicação. Logo, é basicamente nisso que penso: menos em mim, mais neles. Já desisti há anos de tentar entender suas atitudes desmedidas, e agora tampouco o farei. Menos ainda tecerei razões pelas quais acredito não haver mais motivos para te conceder perdão. Apenas posso eleger como motivo principal o fato do poderoso tempo ser capaz de sedimentar as mais terríveis tragédias. E este me fez perceber que o que anteriormente se apresentou a mim como uma lástima, hoje representa um dos maiores fatores para o meu engrandecimento. Assim, tenho mais orgulho de mim agora do que jamais tive no passado.

A fim de te informar, saiba que também reconstruí a minha vida a muito esforço, haja vista as resistências que passei a cultivar quando do seu abandono. Hoje sou viúva de um grande homem, que além de ter se dado como presente a mim durante nossos anos juntos, me deu mais dois filhos.

Hoje, eu e minhas quatro prendas seguimos juntos e felizes dentro de nossas possibilidades. Pena que dois deles não tenham tantos motivos para admirar suas origens paternas, mas adotaram com muito carinho o pai suplente que a vida por uma graça lhes concedeu. E, hoje, conseguem exercer tal função, a paternidade, através de um bom exemplo.


Desejo-lhe paz e saúde,


e com o tremor em cada linha, tambem desejo distância


de você.


Rosana Aguiar de Fonseca.

2 comentários:

Anônimo disse...

Higgo, essa carta me tocou profundamente... como achou isso?

Anônimo disse...

muuuuito muuuito bom!

=)