terça-feira, novembro 16, 2010

Exijo minhas lembranças de volta


Memória seletiva é o caralho! Quem se gaba a vida toda por lembrar de tudo sofrerá o primeiro baque quando começar a esquecer até de que já teve boa memória. O tempo é carrasco com as lembranças; fica tudo nublado com as voltas do relógio. Memória pra mim sempre se formou de relações improváveis. Aquela cor tem aquele cheiro. Aquela pessoa lembra aquela temperatura. Aquela tarde foi verde. Já tou chegando nesse lugar amargo. Identificações, encaixes memoriais, arrumações de arquivos carregados de informação (ir)relevante acomodados nuns boxes mal-cuidados, abarrotados. Minha cabeça é um escaninho lotado, com papeis caídos, perdidos no chão, pisoteados, a que só tenho acesso quando alguém resolve pegar. Eu vivo a fase de memória auxiliar. Não consigo mais, sozinho, detalhar muita coisa. Minha segurança é confiar em alguém, pra me dizer se a impressão que ficou retrata o que se passou. O que sobra da situação é só essa impressão mal concebida, mal digerida, arrotando quadros foscos. Nomes, definições, palavras-chaves se perdem no desencontro que habita o branco do meu cérebro. Tão erroneamente superestimado, pobre cérebro que antes fora um exemplo de confiança. Hoje me prega peças. Me deixa na mão. Não confio mais em mim. Se alguém me corrigir, há 87.54% de chances de estar certo. O que me resta é a humildade de ser essa ferrugem ambulante. Mas, tudo bem, há de se trabalhar o conflito. Preciso exercitar as lembranças, me concentrar nas gravações, viver mais intensamente os momentos. E não passar um Fast Forward na vida, por ansiedade de ir vivendo mais coisas, e vivendo pior. Por não fixar, crio ficções equivocadas. É preciso foco na cena, para que ela tenha boa qualidade, e assim, permanecer mais viva por mais tempo. É necessário viver e lembrar da vida, senão de nada vale colecionar esses momentos. Memória seletiva é o caralho !Exijo minhas lembranças de volta !!!

terça-feira, novembro 09, 2010

"I know that I'm miserable, can't you see?"


Cordas de violão.
Uma canção.
Lágrimas.
Cinzas.
Seu rosto.
Seu pescoço.
Uma Noite.
Misture tudo.
Sua morte.
Minha libertação.


sábado, novembro 06, 2010

Imprevisto














Meu nervosismo começa com a previsão.
Ele segue uma fórmula
denunciada em cada anúncio, cada espera.
A ansiedade me faz enjoar do não acontecido
pelo fato de ter pensando demais sobre isso.
Eu costumo dar vazão ao inesperado.
Funciono melhor quando tenho de consertar o impensado
do que lidar com o conforto de um bom planejamento.
Preciso deixar as coisas acontecerem naturalmente.
Não sei lidar com situações anunciadas:
se eu me preparar, me despreparo.
Sei que corro o risco de me perder
apenas por sonhar com o improviso.
E pode a realidade me mostrar que,
por falta de ensaio, não vi, perdi o que mais preciso.
Sou um escravo das chances causadas pelo imprevisto.

terça-feira, outubro 26, 2010

Limitado



Eu não conheço Miles Davis.
Pra mim Bauhaus é nome de estação de metrô.
E até ontem eu jurava que Godard já tinha morrido.
Sou uma mera farsa do mais ou menos.
Uma cria da superficialidade em produção industrial
Dou umas pinceladas num apanhado muito vago
e desenrolo um papo qualquer
sobre tudo que for aparentemente relevante.
O que importa é soar interessante pra enganar o ignorante.
E simpático o suficiente para forjar humildade
e iludir os que certamente sabem mais das coisas do que eu.

Não sou tão ruim a ponto de ser péssimo
mas longe demais do bom, pra ser ótimo.
Dizem que é um caminho.
Eu chamo de limite.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Estática dinâmica

Não se movia
Não sei se vinha
Era entalada
dinâmica
Pregada fora
sob a cortina
sonhada agora
estática
Veio surpresa
Encheu a mesa
uma gulosa
semântica
Se foi desculpa
quem sabe outra
talvez mais uma
silábica
Talvez só veja
que o tempo esteja
fora de hora
romântica
Sinceridade,
é só verdade
de uma história
autêntica
Eis o que fica
palavra escrita
Se fosse outrora
patética
mas é poética
cheia de ética
uma estática
dinâmica.


quarta-feira, agosto 04, 2010

Altura


Lá embaixo eu sou formiga operária
Organizando a vida de alguém
Enquanto a desordem da minha
Não tem ninguém pra operar

Daqui de cima eu sou um ponto
Entre as nuvens
Pintado no céu de quem
a ilusão do meu não pode nublar

Da altura, não se notam os detalhes
E apesar de querer,
Não há poder sem poder.

No meio-fio eu sou um qualquer
Mas no fio eu não sou qualquer um.