quinta-feira, maio 29, 2008

Many Shades of Black


Mais música aqui me traz. E não é música,música, no geral. É uma em especial. Uma que há 24 horas me toma a memória e a vontade. Uma cuja primeira audição me passou despercebida, não sei por que razão. Mas não mais durante uma noite de chuva, enquanto a ouvia, ensopado, numa segunda vez. Sabe quando algo chega para ficar? E isso você descobre no exato momento em que tal coisa aparece em sua vida? Foi essa música.. "Many Shades of Black", do album novo dos Raconteurs.. Sob um toró que me molhou até a alma, essa música se fez trilha. E durante todo o dia seguinte, ela persistiu. Ela não me cansa, não me enjoa. Já pude perceber tudo que ela traz consigo, não há mais mistérios a serem revelados com ela. E mesmo assim ela continua, nota a nota, como sombras em preto a vagar pelo meu (in)consciente, pela minha memória auditiva e pelo meu Mp3. Ela começa com um pedido rasgado de fim de relacionamento. "Jogue fora, jogue fora e atire ao chão". Uma frase ressaquenta de dor de cotovelo dá o tom inicial da música. Um início que imagino muito bem interpretado por Stive Tyler, do Aerosmith. Em seguida, a canção cresce e dá seus primeiros e impressionantes passos com um refrão dramático e chicletão e bonito de se ouvir, 'a la' Chris Cornell, do Audioslave. Do tipo que faria algum despercebido parar para ouvir. Entoada ao fundo por um lindo arranjo de metais, "Many shades of Black" é linda de cabo a rabo. É uma jóia incluída num album razoavelmente interessante. Dramática no ponto certo, apaixonada com parcimônia e ... desesperada, com um clima retrô modernoso. Trava o fim de uma relação, e não de um relacionamento. A letra nos apresenta a duas pessoas que, embora possivelmente se queiram, são incompatíveis. E como todo grande amor impossível impreterivelmente sempre fica guardado nalgum lugar, essa música insiste em ressoar, e soar e tocar meus ouvidos. Não sei se ela se tornará algum 'hit', não sei se cairá no gosto e no conhecimento das pessoas (só espero que não vire trilha de novela). "Many Shades of Black"... como uma doença boa de se ter, estou preso à enfermidade do 'repeat'. Enquanto isso, as sombras e os tons em preto de todas as relações impossíveis que porventura em minha vida possam existir passeiam pelos meus ouvidos, como uma intermitência agradável e desejada, em forma de uma bela canção. A melhor do ano, até então.

domingo, maio 18, 2008

À fogueira


Pretensões viram chuva. Chuva vira lama, que vira pesar, que vira arrependimento, que vira presente, que vira ressaca, que vira conta, que vira dívida, que vira angústia, que vira dor, que vira batimento cardíaco, que vira insatisfação, que vira dor, que vira hora, que vira relógio, que vira amanhecer. E vira dia, e vira novo, e viro eu, você e nós todos. Talvez seja meu álcool, talvez seja sua escolha, talvez seja sua ordinária e legítima pretensão de liberdade. Talvez seja minha insatisfação premente que me impede de me explicar, e precede toda a famigerada vontade de confessar tudo aquilo que quero e não consigo. Acovardo-me, como um tuberculoso à última noite, à espera de uma nova cura, que só me adoece. Sou todo chocalhos e esperanças e dúvidas e qualquer coisa que não se explique nesta vã comunicação.

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Sou todo assim e assando.

sexta-feira, maio 02, 2008

Pra quê chorar?


Fraqueza, manha, desabafo, dor, ódio, alegria, susto, cisco,...Qualquer desses pode servir de causa justa para o choro. Diante da incidência maior ou menor das ocorrências desses motivos, uns estão mais acostumados a desabar em lágrimas do que outros. Um pedido sincero pode resultar num aceito instantâneo por conta de algumas lágrimas. Uma dor de qualquer coisa pode enfim ser levada a sério, apenas com alguns soluços. A emoção com alguma cena de filme parece muito mais completa quando você se pega tentando reprimir o choro - e não consegue.

O ato de chorar nos é inerente desde o primeiro momento de nossas vidas. Desde lá da ingenuidade de um feto que virou bebê. O trauma provocado pela retirada do nenem da confortável placenta é expresso através do quê? Ele mesmo, o choro. E assim nos acompanha como uma sombra. Enquanto não nos chega a maturidade que permite controlar os impulsos, não pensamos duas vezes em fazê-los vir à tona para alcançar nossos objetivos. Durante a infância, se trata de uma ferramenta imprescindível para qualquer guri que sabe o que quer - ou que pensa saber o que quer. E cabe aos pais talhar esse comportamento, que perseguirá esta pessoa por toda a vida. Os pais que não sabem ajudar o indivíduo neste momento, o de aprender a controlar a força emotiva do choro, mal sabem que estão impondo diversas dificuldades na sua formação social.

Isto porque não há nada menos interessante do que alguém que desperdice tal ferramenta com qualquer coisa. Explicarei: há pessoas que choram mesmo. São aqueles que possuem no choro seu único meio de demonstração de emoção. É como se houvesse um problema de encanamento nos vasos lacrimais. As válvulas que controlam tal escape neles são extremamente frouxas, jorrando lágrimas como faria uma pia furada. Dependendo do grau de legitimidade destas lágrimas, embora sejam muitas, elas são encantadoras. A crítica atinge justamente aqueles que se utilizam deste artíficio como uma forma de se destacar de alguma forma. Seja para conseguir o que quer, seja para ocupar um posto confortável de fragilidade, um meio irritante de retirar de si a responsabilidade de suas tarefas. Tais lágrimas carecem de sinceridade, sendo apenas um traço forte de falta de bom caráter.

Entretanto, por outro lado, choro também é fortaleza. E é justamente quando ele se reveste desta beleza, que se torna mais engrandecido. Todo mundo sente vontade de chorar. Alguns menos, por apresentar um temperamento mais calejado, por serem mais frios, mais comedidos, mais introspectivos - e sobre estes, ouso afirmar que os momentos de choro vêm na calada da noite, embaixo das cobertas ou durante o banho. Outros, se controlam sempre, sendo quase nunca flagrados num momento de emoção, mostrando equilíbrio, parcimônia...Porém, a fortaleza chega não quando as lágrimas são barradas por tal serenidade. mas quando essa tranqüilidade é perturbada pela nobreza verdadeira do choro desabafado. Trata-se de uma das melhores experiências que um ser humano pode experimentar. É quando lágrimas economizadas e guardadas num ato sério do autocontrole recebem o sinal verde do descarrego da emoção. Geralmente, tal fato acontece quando há combinação de 'momento-ombro amigo-ambiente propício-acúmulo de emoções'. Tal combinação é fatal, e, ouso dizer, infalível quando a variante álcool incide como catalisador. Esse desabafo é aliviante, lava não apenas o rosto, mas enxagüa o corpo todo por dentro. O coração fica mais leve, os batimentos fluem com a correnteza, o indivíduo se anestesia como num consumo de entorpecente. O soluço abre espaço para a nobreza de demonstração de emoção verdadeira.

Assim, resta claro que o choro é bem-vindo quando legitimado pela verdade nele. O desperdício de chorar faz carecer a credibilidade na pessoa que chora. As lágrimas devem se revestir da natureza de quem se emociona. Uns mais freqüentemente, outros nem tanto, como dito. Mas nada é mais emocionante do que observar alguém que se emociona de verdade, e chora por isso. E melhora com isso.


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Pra quê chorar? Pra chorar menos.