sábado, dezembro 30, 2006

2007


Toc.Toc.Toc.

- Quem é?
- 2007.
- O que você quer?
- Entrar.
- Tá, entra. Mas usa o tapete, pra não encher a casa de areia.
- Tá bom.
- Conte as novas.
- ??
- Você veio pra ficar calado?
- Não.
- E..
- Estou esperando você fazer alguma coisa.
- Hã? O quê??
- É você que vai fazer por 2007, e não 2007 que fará por você.
- ...

***
Que você faça de 2007 um ano de realizações, não apenas pessoais, mas universais.
O mundo à nossa volta precisa que façamos alguma coisa. Que façamos diferente.
Façamos a diferença.
*
**Cheers.

sábado, dezembro 23, 2006

O moço da canção de ninar


A maioria das pessoas dizem que é difícilimo encontrar um grande amor. E talvez essa máxima seja verdadeira. Mas talvez o fato mais importante seja justamente porque ninguém nunca chegou ao consenso do que é o amor. Várias tentativas de explicá-lo já foram feitas...livros, poemas, frases, gestos, guerras e declarações fabricaram-se em nome desse rei dos sentimentos, mas entendo que seja tão difícil completar-se nesses assuntos justamente porque não foi ainda possível decifrar - não digo com a sensibilidade, mas com a realidade necessária - esse grande enigma.
Eram nesses pensamentos que a moça se envolvia enquanto se lamentava por mais uma tentativa ineficiente. Em seu caminho, ecos de uma grande expectativa ecoavam com freqüência insuportavelmente gritante. Porém, a vontade de quem acaba de perder uma grande batalha é de não angariar novos conflitos. E, assim, decidiu a moça que não mais forçaria encontrar algo que talvez nem sequer existisse. Seria como empreender uma busca incessante por algo por demais abstrato para seguir em frente...E, desse modo, procurou as chaves de sua clausura como conforto e a ela se presenteou. Deixou-se envolver pela segurança de suas paredes e pertences, envolta por recordações de alguém que um dia houvera sido.
Porém, muitas daquelas recordações a remetiam a um passado inacabado, que embora aparentemente estagnado, mostrava-se certamente irresoluto, indeciso acerca dos próximas previsões.Como se nunca tivesse deixado de ser presente, como se nunca fora passado.
E, da mesma forma inesperada com que se fez lembrar, foi a maneira como este longínqüo passado se reapresentou à vida da moça. Inerte em sua clausura, o contato social que ela empreendera com o mundo exterior praticamente anulou-se. E por lá ficou por um bom tempo.
Contudo, seu exercício de busca interior foi interrompido, certo dia, pelas batidas de alguém que chegara. Despertada de seus sonhos, ainda acreditava estar sonhando quando abriu a porta. Parado à sua frente, seu passado.
E, assim, os ecos que teimavam em surgir a cada boa memória de que se recordava materializaram-se nas formas das flores e da caixinha de música que o novo (antigo) moço carregava.O sorriso continuava o mesmo. Talvez mais bonito entre as rosas. O olhar emanava a mesma curiosidade misturada à complacência. Talvez mais vivo, por conta do reflexo que nele se encontrava.
A moça não pôde deixar de se emocionar ao ouvir as primeiras notas da canção que o moço entoava. Em suas mãos, uma bela caixinha de música ressonava uma meiga canção de ninar. A bailarina que rodopiava sobre os braços de seu par parecia representar em dança a beleza daquele momento.
Ainda incerta acerca das razões do moço da canção de ninar naquela visita inesperada, ambos conversaram horas a fio, ao som da música que prometia ser trilha sonora de todos os bons momentos que a partir dali ambos viveriam.
Como luz fraca que reascendera em flashes luminosos, assim renasceu o amor da moça pelo moço da canção de ninar, que a fez esquecer de todas as decepções amorosas de outrora, fazendo-a perceber que os acordes desafinados de todas as canções não eram ruins, mas apenas notas desencontradas com as suas próprias.
Daquele dia em diante, o moço da canção de ninar passou sempre a encontrar-se com a moça e, a cada encontro, maior era a certeza de que ambos eram moço e moça um do outro.
Sempre que fecha os olhos, a moça se recorda da canção que a conquistara e, a cada vez que os abre, sabe que o moço está ao seu lado para sussurrar a melodia em seus ouvidos.
Assim se fazem canções de ninar inesquecíveis, transformando a realidade que nos consome em sonhos inacabados que se tornam doces sinfonias aos tímpanos mais sensíveis, tocados pelas notas certas, nas horas certas.
É nesses momentos em que fica fácil perceber o quanto difícil é encontrar um grande amor. Porque as notas musicais precisam de um toque de destino para, juntas, alcançar a almejada harmonia.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

O tom da moça


Durante sua curta vida, a moça cultivara um coração fácil de gostar, relutante em se apaixonar e impedido de amar. Era capaz de amar família, bichos, flores, nuvens e a espuma do mar, mas nunca nenhum rapaz a fizera experimentar o amor. Alguns esboços de amor por sua vida até que passaram, mas nenhum delez fez brotar algo que não fossem meros ensaios de amar.
Eis que numa dessas curvas que a vida insiste em nos levar, um moço apareceu, violão nos braços e jeito engraçado de existir. E encantou a moça, como numa canção sem métrica, nem rimas, mas melódica e suficientemente marcante. Tal foi o encantamento, que a moça deixou-se carregar pelas notas das canções que o moço entoava. Métricas de questionamentos formavam-se a cada tom, porém, absorta nos conselhos que seu coração dava, entregou-se àqueles versos, corajosa e desconfiadamente.
Nos primeiros acordes, o coração da moça amaciou-se, como o tecido da colcha mais confortável que usava para dormir. Nos seus sonhos, interrogações sobre o quanto seu coração suportaria de amor. Nos pensamentos, questões acerca de quando sua racionalidade afrouxaria as rédeas que mantinha sobre seus sentimentos.
As estrofes seguintes apresentaram-na a um moço doce à sua maneira, cujas atitudes mal-compreendiam-se nas precipitações da pouca idade. A moça recebia estes versos com apreensão, desejosa de que as redondilhas que ouvia seguissem num ritmo mais lento do que se acostumara a ouvir.
Não obstante, veio o refrão. E com o apressado compasso, o ensaio de amor que o coração da moça disfarçava não mais encontrava máscaras em que se refugiar. Enquanto o moço diluía-se em esforços, surpresas, desejos, agrados, e afinações em forma de presentes e demonstrações de carinho, a moça, angustiada, nada tinha a dar em retorno, nada...Nem mesmo o gostar.
Certa das dúvidas que o refrão dessa canção provocara em sua tentativa de amar, aos poucos a moça foi tentando diminuir o volume daquelas notas. À medida que o moço se preparava para evoluir em seu ritmo frenético de conquista, mais a moça retraía-se nas resistências aos seus ataques de amor.
Até que, cansada de escutar silêncio na evolução daquela melodia, a moça educadamente interrompeu a serenata, despedindo-se do moço, transmitindo um carinhoso olhar de adeus. E pôs-se a caminhar, à espera daquele que transformaria seus desejos em singelas canções de ninar. Quem sabe, em busca de alguém que conseguisse captar seu verdadeiro tom.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Seus botões


Na última vez
em que rasguei sua blusa
guardei seus botões
e coloquei-os numa caixa
cheia de algodão colorido.
Dentro e coladas
nossas fotos 3 x 4
a sorrir das brincadeiras que fizemos juntos.
.
Quando abro nossa caixa
felizes estamos, um do lado do outro
do jeito do sorriso
que estampo quanto te vejo.
.
Cada botão que cai no tapete
me lembra da caixa que ontem enfeitei.
Quantos botões mais será que cabem
na caixa nova que comprei?
.
Te desacato como quem desataca botões
com a força do ímpeto de quem não sabe esperar
e estremeço a cada nova caixa de esmero
guardando sonhos de outros botões arrancar.
.
.
(quem sabe assim sinto você perto de mim)

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Amarras


Entrelaço minhas amarras nas suas
Envolvo os tecidos elásticos em teu pescoço
e sigo como sombra da tua sombra em teu encalço
torcendo para que o nó que te afasta
resista aos sofregares de sua voz sem ar
e não desuna minhas pernas envoltas nas tuas costas

Com um calço, seus passos são os meus
como um laço, abraço os braços seus
como um pedaço, colo meu corpo ao seu
e me desfaço, nas desventuras do adeus

mas se refaço, é porque desejo carinhos teus
sob o contraste da dureza dos olhos de Deus.





terça-feira, dezembro 05, 2006

A melhor viagem


Entrou apressada e desajeitadamente no ônibus, bolsas e pastas a tira colo, cabelos longos e loiros tingidos ao vento, alguns fios presos na testa pelo suor, unhas vermelhas cintilantes e calça centropê explodindo salientes gordurinhas localizadas. Seus óculos escuros escondiam bonitos olhos verdes, seu batom também vermelho cintilante (existe?) montavam uma personagem que chamou a atenção do momento em que passou a roleta, ao momento em que chegou a seu destino. Pagou com uma nota de vinte reais, resfolegou o máximo de ar que sobrava nos pulmões negros de nicotina e sentou-se num banco próximo ao cobrador no corredor. Esperou pacientemente o seu troco enquanto lutava para prender os cabelos revoltos pelo ar quente que entrava por uma janela aberta. Abria e fechava incessantemente as bolsas e pastas à procura de algo, no momento em que lutava contra as curvas dadas a toda velocidade pelo motorista, forçando suas grandes plataformas contra o chão irregular do veículo. Recebido o troco, bolsas e pastas abertas, pois ainda estava à procura desesperada de algum objeto, direcionou-se para um banco mais atrás, onde pudesse ficar sozinha, para melhor continuar a sua procura. Sentou-se sofregamente após hilários vai-e-vens, tentando-se agarrar nos encontos, nas barras do alto, nos ombros das pessoas. Sentou-se de vez. Pôs a "bagagem" no assento vazio e continuou a árdua tarefa. "Deve ser algo muito importante que essa mulher está a procurar", pensei. "Só espero que ela não invente de puxar uma arma e assalte o ônibus". Contudo, após longa procura, retirou o celular da bolsa, apresentando aos passageiros curiosos a ferramenta que usaria para proporcionar-lhes uma das viagens mais divertidas para muitos. Pegou o aparelho e discou. Levou ao ouvido. (Suspirando e assoprando desesperadamente sobre o seu colo, para 'amenizar' o calor). Eis que, esbravejando, pôs-se a falar:
- Alô? Oi, Gerso. Já varresse a casa? Meu filho, trate de arrumar essa bagunça logo, porque eu não vou fazer mais papel de palhaça contigo não. Ora merda, a pessoa chega cansada do trabalho, a porra da pia estourada e a casa um pardieiro!! Táis pensando o quê da vida, Gerso? Tu já tem quinze anos, rapaz. Toma vergonha nessa tua cara, que eu não tenho obrigação de ficar te sustentando, não. E vê se varre a casa também!! E se quiser almoçar, te arranja ai com o que tiver na geladeira. Oxe, coisa mais sem sentido, rapaz. Tou no ônibus. Tenho tempo pra ficar conversando merda, não.
Desligou. Sem pensar, discou novamente. De novo ao ouvido;
- Ei, de azul, me leva pra tu.. HAHAHAHAH Tudo bom, fia? Tua chefe já chegou? Óia, diz a ela que os papéis do plantão de ontem tão aqui comigo. Aquele negócio da menina lá do IPSEP já resolvi, visse? Falei com o menino de lá, que é meu colega, e ele desenrolou pra mim. Era só mandar um fax e tudo certinho. É porque o plano dela era empresarial, menina, aí tu já sabe..É aquela frescura todinha...Ontem? De que horas?? Mas, rapaz, acredito nisso, não...E o tabacudo do Gerso nem me deu o recado, rapaz..Aquele porra num quer nada da vida, menina. Ontem liguei pra ele. Disse: Tou no espetinho. Quando cheguei em casa, tava tudo a maior zona, pia estourada, roupa e lixo espalhado, rapaz. A pessoa já chega cansada e tem que dar uma de piniqueira é foda!! Mas sábado ele tá fudido, porque eu vou botar ele pra fazer tudinho, e nem vou fazer almoço, porque vou pro Pagode, quero nem saber!! Oxe, voou, fia..Já combinei com as menina da vila. Bora, Sandra, vai ser tão bom...Psirico. De duas horas. Já peguei meu ingresso na rádio, digo logo. Óia, tem outra ligação aqui. Já já falo contigo. (OUTRA LIGAÇÃO). Alô? Diz quenga safada...O que tem? Ele ligou pra tu, foi? Mais menina, aquele porra tá reclamando de barriga cheia. Devo nada àquele porra, não, menina. Eu falo do jeito que eu quiser, tou nem aí. Óia, já falasse com teu bofe? Porra, Ninha ajeita aí, fia. Tu num sabe que eu tô precisando daquela porra...Vê aí, menina, o cartão tá bloqueado, rapaz!! Vocês são foda, mermo. Pra pedir, é num instante, mas pra pagar, me fode todinha. Eu aqui querendo comprar uma blusa pra mim na C&A e sem puder botar no cartão. Fala com ele, Ninha, tá foda...Vai, vai. Depois tu fala comigo.
Telefone toca novamente. Atendeu:
-Alô?? Oi, lindo, tudo bem? Taaaaava...Nem ligasse ontem pra mim, num foi? Seeeeei...Vou, vou , sim...Tu vai passar de que horas? E táis de carro nesse fim de semana? Mas Jaílson vai contigo, é? Vixi, mala do caraio, Robson!Siiim, sei, sei...Mas tu vai me dar atenção, né?? Siiiim, quero só ver...Eu, linda, loira e gostosa e tu me botar de lado por causa daqueles maconheiro, tu vai ver só.. Boto logo uma gaia da porra em tu com o primeiro negão que vier bingando pra cima de mim...HAHAHAHAH. Tu faz o quê?? Te enxerga, otário!! HAHAHHAHA Tá pra nascer o hômi que enconsta em mim, baby. Òia, vou ter que desligar. O tabacudo do meu irmão tá ligando pra mim...Tá, tá...Beijoss hihiihihih Só isso? hhihihhh. Tá tá, faço, faço, animal!! HAHAHAHA (DESLIGOU. ATENDEU OUTRA CHAMADA.)
-Que é, Gerso?????? Peraí que eu ligo pra tu!!
Desligou e prendeu o cabelo de novo, com uma piranha enorme que tirou da bolsa. Discou novamente. Ouvido.
-Diz. Foi. Na parte de baixo. Bote pra descongelar. Claro!! Tá na prateleira. Meu filho, procure...Tá aí, sim...Se acabou, vá no mercadinho comprar. Menino, trinta centavos, tu não tem, não, é? Pra ficar naquela porra do churrasquinho, tu fica a noite todinha com aquelas piniqueira, né, Gerso? Vou te dar dinheiro mais não, meu filho. Você tá merecendo nadinha. Se lasque, quero saber não. Se vire, vá comer na casa das suas nega, peça esmola, se mate, sei não o que você faz. Táis com quinze anos na tua cara, Gerso. Um hômi já!! Num estuda, faz porra nenhuma..Sou tua mãe pra ficar te sustentando, não!! SUSTENTO MEUS MACHO PORQUÊ EU POSSO, SEU FILHO DA PUTA!! E NUM LIGUE MAIS PRA MIM NÃO!
***
Desligou, ainda chingando-o de "fresco". O ápice da viagem foi quando, ao perceber que sua parada passara, a mulher, ainda tentando se recompor dos gritos que há pouco dera, começou a gritar desesperadamente para o motorista ("Pára, Pára, Pára, parada desce, parada desce, parade desce. Porra, vou descer, vou descer!!!"). E percorreu o corredor do ônibus, aos trancos e barrancos, num estado mais risível que aquele em que entrara, enqunto seu telefone tocava a música da Kelly Klarkson. Desceu as escadas do ônibus, fazendo talvez mais barulho do que fez durante toda a viagem.
***
E se afastou do ônibus, andando como uma louca pela calçada, mechas de luzes de um lado a outro, cofrinho aparecendo e malas a tira-colo, enquanto os passageiros ainda riam da figura que por ali passara. E que figura...
UPDATE: OS FATOS ACIMA RELATADOS REALMENTE ACONTECERAM. E QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE NÃO FOI MESMO MERA COINCIDÊNCIA. FOI FATO. TALVEZ VOCÊ TENHA QUE ANDAR MUITO DE ÔNIBUS PARA ENCONTRAR UM PASSAGEIRO DESSE JEITO. POIS É. EU ANDO. :( OU :) ??