sábado, dezembro 30, 2006

2007


Toc.Toc.Toc.

- Quem é?
- 2007.
- O que você quer?
- Entrar.
- Tá, entra. Mas usa o tapete, pra não encher a casa de areia.
- Tá bom.
- Conte as novas.
- ??
- Você veio pra ficar calado?
- Não.
- E..
- Estou esperando você fazer alguma coisa.
- Hã? O quê??
- É você que vai fazer por 2007, e não 2007 que fará por você.
- ...

***
Que você faça de 2007 um ano de realizações, não apenas pessoais, mas universais.
O mundo à nossa volta precisa que façamos alguma coisa. Que façamos diferente.
Façamos a diferença.
*
**Cheers.

sábado, dezembro 23, 2006

O moço da canção de ninar


A maioria das pessoas dizem que é difícilimo encontrar um grande amor. E talvez essa máxima seja verdadeira. Mas talvez o fato mais importante seja justamente porque ninguém nunca chegou ao consenso do que é o amor. Várias tentativas de explicá-lo já foram feitas...livros, poemas, frases, gestos, guerras e declarações fabricaram-se em nome desse rei dos sentimentos, mas entendo que seja tão difícil completar-se nesses assuntos justamente porque não foi ainda possível decifrar - não digo com a sensibilidade, mas com a realidade necessária - esse grande enigma.
Eram nesses pensamentos que a moça se envolvia enquanto se lamentava por mais uma tentativa ineficiente. Em seu caminho, ecos de uma grande expectativa ecoavam com freqüência insuportavelmente gritante. Porém, a vontade de quem acaba de perder uma grande batalha é de não angariar novos conflitos. E, assim, decidiu a moça que não mais forçaria encontrar algo que talvez nem sequer existisse. Seria como empreender uma busca incessante por algo por demais abstrato para seguir em frente...E, desse modo, procurou as chaves de sua clausura como conforto e a ela se presenteou. Deixou-se envolver pela segurança de suas paredes e pertences, envolta por recordações de alguém que um dia houvera sido.
Porém, muitas daquelas recordações a remetiam a um passado inacabado, que embora aparentemente estagnado, mostrava-se certamente irresoluto, indeciso acerca dos próximas previsões.Como se nunca tivesse deixado de ser presente, como se nunca fora passado.
E, da mesma forma inesperada com que se fez lembrar, foi a maneira como este longínqüo passado se reapresentou à vida da moça. Inerte em sua clausura, o contato social que ela empreendera com o mundo exterior praticamente anulou-se. E por lá ficou por um bom tempo.
Contudo, seu exercício de busca interior foi interrompido, certo dia, pelas batidas de alguém que chegara. Despertada de seus sonhos, ainda acreditava estar sonhando quando abriu a porta. Parado à sua frente, seu passado.
E, assim, os ecos que teimavam em surgir a cada boa memória de que se recordava materializaram-se nas formas das flores e da caixinha de música que o novo (antigo) moço carregava.O sorriso continuava o mesmo. Talvez mais bonito entre as rosas. O olhar emanava a mesma curiosidade misturada à complacência. Talvez mais vivo, por conta do reflexo que nele se encontrava.
A moça não pôde deixar de se emocionar ao ouvir as primeiras notas da canção que o moço entoava. Em suas mãos, uma bela caixinha de música ressonava uma meiga canção de ninar. A bailarina que rodopiava sobre os braços de seu par parecia representar em dança a beleza daquele momento.
Ainda incerta acerca das razões do moço da canção de ninar naquela visita inesperada, ambos conversaram horas a fio, ao som da música que prometia ser trilha sonora de todos os bons momentos que a partir dali ambos viveriam.
Como luz fraca que reascendera em flashes luminosos, assim renasceu o amor da moça pelo moço da canção de ninar, que a fez esquecer de todas as decepções amorosas de outrora, fazendo-a perceber que os acordes desafinados de todas as canções não eram ruins, mas apenas notas desencontradas com as suas próprias.
Daquele dia em diante, o moço da canção de ninar passou sempre a encontrar-se com a moça e, a cada encontro, maior era a certeza de que ambos eram moço e moça um do outro.
Sempre que fecha os olhos, a moça se recorda da canção que a conquistara e, a cada vez que os abre, sabe que o moço está ao seu lado para sussurrar a melodia em seus ouvidos.
Assim se fazem canções de ninar inesquecíveis, transformando a realidade que nos consome em sonhos inacabados que se tornam doces sinfonias aos tímpanos mais sensíveis, tocados pelas notas certas, nas horas certas.
É nesses momentos em que fica fácil perceber o quanto difícil é encontrar um grande amor. Porque as notas musicais precisam de um toque de destino para, juntas, alcançar a almejada harmonia.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

O tom da moça


Durante sua curta vida, a moça cultivara um coração fácil de gostar, relutante em se apaixonar e impedido de amar. Era capaz de amar família, bichos, flores, nuvens e a espuma do mar, mas nunca nenhum rapaz a fizera experimentar o amor. Alguns esboços de amor por sua vida até que passaram, mas nenhum delez fez brotar algo que não fossem meros ensaios de amar.
Eis que numa dessas curvas que a vida insiste em nos levar, um moço apareceu, violão nos braços e jeito engraçado de existir. E encantou a moça, como numa canção sem métrica, nem rimas, mas melódica e suficientemente marcante. Tal foi o encantamento, que a moça deixou-se carregar pelas notas das canções que o moço entoava. Métricas de questionamentos formavam-se a cada tom, porém, absorta nos conselhos que seu coração dava, entregou-se àqueles versos, corajosa e desconfiadamente.
Nos primeiros acordes, o coração da moça amaciou-se, como o tecido da colcha mais confortável que usava para dormir. Nos seus sonhos, interrogações sobre o quanto seu coração suportaria de amor. Nos pensamentos, questões acerca de quando sua racionalidade afrouxaria as rédeas que mantinha sobre seus sentimentos.
As estrofes seguintes apresentaram-na a um moço doce à sua maneira, cujas atitudes mal-compreendiam-se nas precipitações da pouca idade. A moça recebia estes versos com apreensão, desejosa de que as redondilhas que ouvia seguissem num ritmo mais lento do que se acostumara a ouvir.
Não obstante, veio o refrão. E com o apressado compasso, o ensaio de amor que o coração da moça disfarçava não mais encontrava máscaras em que se refugiar. Enquanto o moço diluía-se em esforços, surpresas, desejos, agrados, e afinações em forma de presentes e demonstrações de carinho, a moça, angustiada, nada tinha a dar em retorno, nada...Nem mesmo o gostar.
Certa das dúvidas que o refrão dessa canção provocara em sua tentativa de amar, aos poucos a moça foi tentando diminuir o volume daquelas notas. À medida que o moço se preparava para evoluir em seu ritmo frenético de conquista, mais a moça retraía-se nas resistências aos seus ataques de amor.
Até que, cansada de escutar silêncio na evolução daquela melodia, a moça educadamente interrompeu a serenata, despedindo-se do moço, transmitindo um carinhoso olhar de adeus. E pôs-se a caminhar, à espera daquele que transformaria seus desejos em singelas canções de ninar. Quem sabe, em busca de alguém que conseguisse captar seu verdadeiro tom.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Seus botões


Na última vez
em que rasguei sua blusa
guardei seus botões
e coloquei-os numa caixa
cheia de algodão colorido.
Dentro e coladas
nossas fotos 3 x 4
a sorrir das brincadeiras que fizemos juntos.
.
Quando abro nossa caixa
felizes estamos, um do lado do outro
do jeito do sorriso
que estampo quanto te vejo.
.
Cada botão que cai no tapete
me lembra da caixa que ontem enfeitei.
Quantos botões mais será que cabem
na caixa nova que comprei?
.
Te desacato como quem desataca botões
com a força do ímpeto de quem não sabe esperar
e estremeço a cada nova caixa de esmero
guardando sonhos de outros botões arrancar.
.
.
(quem sabe assim sinto você perto de mim)

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Amarras


Entrelaço minhas amarras nas suas
Envolvo os tecidos elásticos em teu pescoço
e sigo como sombra da tua sombra em teu encalço
torcendo para que o nó que te afasta
resista aos sofregares de sua voz sem ar
e não desuna minhas pernas envoltas nas tuas costas

Com um calço, seus passos são os meus
como um laço, abraço os braços seus
como um pedaço, colo meu corpo ao seu
e me desfaço, nas desventuras do adeus

mas se refaço, é porque desejo carinhos teus
sob o contraste da dureza dos olhos de Deus.





terça-feira, dezembro 05, 2006

A melhor viagem


Entrou apressada e desajeitadamente no ônibus, bolsas e pastas a tira colo, cabelos longos e loiros tingidos ao vento, alguns fios presos na testa pelo suor, unhas vermelhas cintilantes e calça centropê explodindo salientes gordurinhas localizadas. Seus óculos escuros escondiam bonitos olhos verdes, seu batom também vermelho cintilante (existe?) montavam uma personagem que chamou a atenção do momento em que passou a roleta, ao momento em que chegou a seu destino. Pagou com uma nota de vinte reais, resfolegou o máximo de ar que sobrava nos pulmões negros de nicotina e sentou-se num banco próximo ao cobrador no corredor. Esperou pacientemente o seu troco enquanto lutava para prender os cabelos revoltos pelo ar quente que entrava por uma janela aberta. Abria e fechava incessantemente as bolsas e pastas à procura de algo, no momento em que lutava contra as curvas dadas a toda velocidade pelo motorista, forçando suas grandes plataformas contra o chão irregular do veículo. Recebido o troco, bolsas e pastas abertas, pois ainda estava à procura desesperada de algum objeto, direcionou-se para um banco mais atrás, onde pudesse ficar sozinha, para melhor continuar a sua procura. Sentou-se sofregamente após hilários vai-e-vens, tentando-se agarrar nos encontos, nas barras do alto, nos ombros das pessoas. Sentou-se de vez. Pôs a "bagagem" no assento vazio e continuou a árdua tarefa. "Deve ser algo muito importante que essa mulher está a procurar", pensei. "Só espero que ela não invente de puxar uma arma e assalte o ônibus". Contudo, após longa procura, retirou o celular da bolsa, apresentando aos passageiros curiosos a ferramenta que usaria para proporcionar-lhes uma das viagens mais divertidas para muitos. Pegou o aparelho e discou. Levou ao ouvido. (Suspirando e assoprando desesperadamente sobre o seu colo, para 'amenizar' o calor). Eis que, esbravejando, pôs-se a falar:
- Alô? Oi, Gerso. Já varresse a casa? Meu filho, trate de arrumar essa bagunça logo, porque eu não vou fazer mais papel de palhaça contigo não. Ora merda, a pessoa chega cansada do trabalho, a porra da pia estourada e a casa um pardieiro!! Táis pensando o quê da vida, Gerso? Tu já tem quinze anos, rapaz. Toma vergonha nessa tua cara, que eu não tenho obrigação de ficar te sustentando, não. E vê se varre a casa também!! E se quiser almoçar, te arranja ai com o que tiver na geladeira. Oxe, coisa mais sem sentido, rapaz. Tou no ônibus. Tenho tempo pra ficar conversando merda, não.
Desligou. Sem pensar, discou novamente. De novo ao ouvido;
- Ei, de azul, me leva pra tu.. HAHAHAHAH Tudo bom, fia? Tua chefe já chegou? Óia, diz a ela que os papéis do plantão de ontem tão aqui comigo. Aquele negócio da menina lá do IPSEP já resolvi, visse? Falei com o menino de lá, que é meu colega, e ele desenrolou pra mim. Era só mandar um fax e tudo certinho. É porque o plano dela era empresarial, menina, aí tu já sabe..É aquela frescura todinha...Ontem? De que horas?? Mas, rapaz, acredito nisso, não...E o tabacudo do Gerso nem me deu o recado, rapaz..Aquele porra num quer nada da vida, menina. Ontem liguei pra ele. Disse: Tou no espetinho. Quando cheguei em casa, tava tudo a maior zona, pia estourada, roupa e lixo espalhado, rapaz. A pessoa já chega cansada e tem que dar uma de piniqueira é foda!! Mas sábado ele tá fudido, porque eu vou botar ele pra fazer tudinho, e nem vou fazer almoço, porque vou pro Pagode, quero nem saber!! Oxe, voou, fia..Já combinei com as menina da vila. Bora, Sandra, vai ser tão bom...Psirico. De duas horas. Já peguei meu ingresso na rádio, digo logo. Óia, tem outra ligação aqui. Já já falo contigo. (OUTRA LIGAÇÃO). Alô? Diz quenga safada...O que tem? Ele ligou pra tu, foi? Mais menina, aquele porra tá reclamando de barriga cheia. Devo nada àquele porra, não, menina. Eu falo do jeito que eu quiser, tou nem aí. Óia, já falasse com teu bofe? Porra, Ninha ajeita aí, fia. Tu num sabe que eu tô precisando daquela porra...Vê aí, menina, o cartão tá bloqueado, rapaz!! Vocês são foda, mermo. Pra pedir, é num instante, mas pra pagar, me fode todinha. Eu aqui querendo comprar uma blusa pra mim na C&A e sem puder botar no cartão. Fala com ele, Ninha, tá foda...Vai, vai. Depois tu fala comigo.
Telefone toca novamente. Atendeu:
-Alô?? Oi, lindo, tudo bem? Taaaaava...Nem ligasse ontem pra mim, num foi? Seeeeei...Vou, vou , sim...Tu vai passar de que horas? E táis de carro nesse fim de semana? Mas Jaílson vai contigo, é? Vixi, mala do caraio, Robson!Siiim, sei, sei...Mas tu vai me dar atenção, né?? Siiiim, quero só ver...Eu, linda, loira e gostosa e tu me botar de lado por causa daqueles maconheiro, tu vai ver só.. Boto logo uma gaia da porra em tu com o primeiro negão que vier bingando pra cima de mim...HAHAHAHAH. Tu faz o quê?? Te enxerga, otário!! HAHAHHAHA Tá pra nascer o hômi que enconsta em mim, baby. Òia, vou ter que desligar. O tabacudo do meu irmão tá ligando pra mim...Tá, tá...Beijoss hihiihihih Só isso? hhihihhh. Tá tá, faço, faço, animal!! HAHAHAHA (DESLIGOU. ATENDEU OUTRA CHAMADA.)
-Que é, Gerso?????? Peraí que eu ligo pra tu!!
Desligou e prendeu o cabelo de novo, com uma piranha enorme que tirou da bolsa. Discou novamente. Ouvido.
-Diz. Foi. Na parte de baixo. Bote pra descongelar. Claro!! Tá na prateleira. Meu filho, procure...Tá aí, sim...Se acabou, vá no mercadinho comprar. Menino, trinta centavos, tu não tem, não, é? Pra ficar naquela porra do churrasquinho, tu fica a noite todinha com aquelas piniqueira, né, Gerso? Vou te dar dinheiro mais não, meu filho. Você tá merecendo nadinha. Se lasque, quero saber não. Se vire, vá comer na casa das suas nega, peça esmola, se mate, sei não o que você faz. Táis com quinze anos na tua cara, Gerso. Um hômi já!! Num estuda, faz porra nenhuma..Sou tua mãe pra ficar te sustentando, não!! SUSTENTO MEUS MACHO PORQUÊ EU POSSO, SEU FILHO DA PUTA!! E NUM LIGUE MAIS PRA MIM NÃO!
***
Desligou, ainda chingando-o de "fresco". O ápice da viagem foi quando, ao perceber que sua parada passara, a mulher, ainda tentando se recompor dos gritos que há pouco dera, começou a gritar desesperadamente para o motorista ("Pára, Pára, Pára, parada desce, parada desce, parade desce. Porra, vou descer, vou descer!!!"). E percorreu o corredor do ônibus, aos trancos e barrancos, num estado mais risível que aquele em que entrara, enqunto seu telefone tocava a música da Kelly Klarkson. Desceu as escadas do ônibus, fazendo talvez mais barulho do que fez durante toda a viagem.
***
E se afastou do ônibus, andando como uma louca pela calçada, mechas de luzes de um lado a outro, cofrinho aparecendo e malas a tira-colo, enquanto os passageiros ainda riam da figura que por ali passara. E que figura...
UPDATE: OS FATOS ACIMA RELATADOS REALMENTE ACONTECERAM. E QUALQUER SEMELHANÇA COM A REALIDADE NÃO FOI MESMO MERA COINCIDÊNCIA. FOI FATO. TALVEZ VOCÊ TENHA QUE ANDAR MUITO DE ÔNIBUS PARA ENCONTRAR UM PASSAGEIRO DESSE JEITO. POIS É. EU ANDO. :( OU :) ??

quarta-feira, novembro 22, 2006

A motorista e a passageira


Hoje fui da alegria à tristeza em menos de meia hora. Ou melhor, fui do orgulho à decepção em questão de minutos. Contarei: como sempre, apanhei um ônibus para a Faculdade e, qual foi a minha surpresa, que o motorista do coletivo era A motorista. Tudo bem que isso já não é muito lá novidade para muita gente, mas era para mim. Apesar de passar horas importantes da minha vida em ônibus, nunca havia pego algum dirigido por uma mulher. Pois bem. Este simples fato muito me deixou feliz, pois, apesar de ser homem, não sou machista ao ponto de não me alegrar ao ver uma mulher em posição majoritariamente masculina. Na verdade, fico feliz de poder presenciar quaisquer derrubada de barreiras sociais, quaisquer quebra de paradigmas e impossibilidades, apenas cultivadas por herança de tempos mais injustos. Me senti orgulhoso por ela, por entender o significado da posição que ocupava. Era mais do que uma motorista, tão cheia de responsabilidades e com tão pouco reconhecimento. Uma mulher no volante de um coletivo é um símbolo de tempos melhores, de uma sociedade mais justa e menos preconceituosa. E, entendendo qualquer dificuldade que ela pudesse enfrentar, era notório que aquela motorista realizava uma de suas primeiras viagens. Ou seja, ela ainda estava numa espécie de treinamento. Neste período, é extremamente normal que, seja homem ou mulher, a adaptação àquela posição ocorra paulatinamente. Assim, ela estancou o ônibus duas vezes no percurso, além de manter uma velocidade não tão costumeiramente alta, e ainda lhe era soprado o caminho pelo cobrador. Na minha visão orgulhosa (no bom sentido), perfeitamente compreensível. Minha satisfação por estar sendo guiado pelas mãos dela era tanta, que ela poderia me atrasar mais meia hora, e mesmo assim eu não ligaria. Aquela mulher não merecia de forma alguma minha irritação, mas nada menos que meus parabéns. Encaminhava-se a história para um final feliz, pelo qual eu sairia refletindo sobre como nossa realidade atual talvez seja mais fácil de viver em alguns poucos aspectos, eis que me deparo com os comentários de certa passageira. Isso mesmo, passageira. Prestes a descer, já à frente da porta de saída, fui testemunha de uma das mais completas faltas de sensibilidade e consciência que já vi alguém emitir. Uma mulher que conversava num dos assentos traseiros com dois homens, falava incessantemente em tom de reclamação, as seguintes asneiras (tentarei reproduzir com o máximo de fidelidade): "Se eu soubesse que ela (a motorista, obviamente) tava aprendendo, eu não tinha nem entrado", disse a mulher, em alto tom e dirigindo-se à frente do ônibus. E prosseguiu: "É por isso que os homens falam das mulheres. Porquem sempre têm essas antas para atrapalhar a vida dos outros." Diante da gravidade desta declaração injusta e inconcebível, contrastante por demais aos meus sentimentos no momento, resolvi retrucar a ignorância dela, diante de todos que estavam próximos, algo que realmente não costumo fazer. Disse a ela que era completamente compreensível que, como uma aprendiz, a motorista enfrentasse dificuldades. E que o melhor lugar para um motorista aprender a dirigir no trânsito era justamente no trânsito. Acrescentei dizendo que, caso não fossem dadas oportunidades como esta, uma mulher nunca poderia chegar a tal posição, e continuaríamos com uma sociedade tão injusta por muito mais tempo. Gostaria de ter acrescentado que ela, como mulher, deveria se sentir orgulhosa por ver seu gênero, tão historicamente castigado, ser capaz de mostrar à sociedade suas capacidades de eqüidade com o masculino. Porém, minha parada já se anunciava e não pude completar minha sincera e afoita lição de moral. Com a minha resposta, meu ânimo me impediu de perceber a reação dos demais passageiros, porém o meu alvo ensaiou uma espécie de reflexão confusa que talvez seja impedida de se desenvolver justamente pelo tanto de ignorância que nela deve haver. Mas me senti de tarefa cumprida. Nesta curta viagem de ônibus aprendi que 20 minutos são mais que suficientes para ir do otimismo ao pessimismo. Otimismo, por poder ter o privilégio de presenciar tais exemplos de dignidade e coragem (por parte da motorista). Pessimismo, por verificar que a ignorância é um dos maiores obstáculos sociais que temos. Por isso me senti tão assim no dia de hoje. Tão orgulhoso, e tão decepcionado...

Primeiro Ato


Abro alas neste espaço para uma reflexão um tanto quanto pessoal sobre um assunto que a mim me agrada analisar: a natureza humana. Logicamente, este é um assunto capaz de render mais do que meros textos publicados. Nem uma biblioteca repleta de volumes minuciosamente elaborados para transmitir algo equivalente à miscelânea de cores do que vem a ser natureza humana é capaz de atingir tal objetivo. É humanamente impossível um ser humano chegar a tais e tantos detalhes elucidativos. Assim sendo, restringirei-me a focar numa das imperfeições que constróem este quadro surrealista que formamos. Falarei do erro. Para muitos, algo inevitável. Para outros, inerente. Muitos ainda dizem ser um degrau para certa evolução. Porém, mais do que tentar definir tal realidade, mais do que tentar estudar a influência que um erro pode causar em nossas vidas, e de que forma tal erro ajuda a compor a imagem do que somos ou do que parecemos ser, convém lembrar que estamos a falar de algo extremamente subjetivo. Trata-se de algo misturado a valores pré-determinados. Mas, diante do que a moral implícita em nossa sociedade nos ensina, é possível chegar-se a consensos sobre o que é um erro. Nada impede que surjam divergências interpretativas a respeito, mas pode-se, diante de um julgamento de valor coletivo, dizer o que é certo para esta coletividade. E o que é errado. Nem tudo que é errado é proibido. Mas todo erro é mal-quisto. Muitas vezes o erro proporciona o aprendizado necessário para um fim de correição. Mas em grande parte das vezes, e é esse tipo de atitude que venho especificamente falar, um erro pode ser irremediável a tal ponto, que relacionam-se os motivos pelos quais tal falha foi cometida à ausência de providencial talento de acertar. Pois bem. Um erro mecânico reflete-se na possibilidade de repetir outro movimento em busca da perfeição. Um erro estilístico propicia uma maior meticulosidade e clareza na forma de se comunicar. Um erro estatístico pode provocar uma certa confusão sobre a verdadeira situação de tal grandeza, mas um refazimento de cálculos muitas vezes mostra novas fórmulas matemáticas. Já um erro de atitude é também vexatório para o ser errante, mas não ao ponto de impedí-lo de agir de forma mais acertada no futuro. Logo, igualmente remediável. Talvez o único erro que não possua conserto é aquele proveniente de uma falha oriunda de uma realidade já distante. Certamente não há remédios para os erros de caráter. Afinal, os maus valores pessoais de alguém são adquiridos através do acúmulo de experiências aliado à gênese do temperamento deste. E esses se arraigam de tal forma, que são indesvinculáveis do ser que erra ao externá-los. Portanto, um erro de caráter é reflexo de alguém provavelmente inescrupuloso, ardil e inacabado. Tendo em vista esta análise, os mais desavisados muito costumam confundir os dois últimos erros citados. Erros de atitude e erros de caráter. Quase todos os erros de caráter manifestam-se através de erros de atitudes. Porém, nem todos os erros de atitudes vêm a ser erros de caráter. Mesmo assim, a natureza humana, generalizatória como se mostra, teima em macular certas atitudes isoladas como fossos de caráter e reputação. Exigir tal discernimento do alvo do erro talvez seja até um pouco demais, porém aqueles que se encontram em posição imparcial ao feito deveriam aprender melhor a dissociar atos falhos de má-natureza. Assim sendo, por mais que a natureza humana se revele mais profunda a cada desvendar, devemos seguir a creditar nossos maiores acertos na reflexão do que somos capazes, tentando sempre antever as reais conseqüências de nossos atos, mensurando o quanto somos capazes de se importar e meditando acerca das necessidades que possuímos de se consertar. Sempre chego à conclusão de que a conscientização de nossas características mais latentes é o primeiro passo para nos entendermos melhor, tanto a si próprios, quanto uns aos outros. E esse entendimento se perfaz em meio a percalços tais, que a hipótese de erros de atitude perde em importância para a consciência de que estes podem jamais arranhar a nobreza de alguém que exercite seu papel. Por mais que este papel de desenrole através de atos falhos, na verdade ele sempre busca o reconhecimento da platéia para a qual se exibe. Por mais que o drama que desenvolva ofusque a possibilidade do público rir no final, este papel é um mero fantoche diante do que somos e do que somos capazes. A grande questão reside no quanto a distância entre estas duas grandezas pode influenciar na peça inteira. À medida em que se limita a capacidade à natureza do "ser", reduz-se tais confusões. Contudo, muitas vezes ela escapa aos limites, aventurando-se no que simplificadamente chamamos de erros de atitude. E novamente mostramos nossa verdadeira essência indecifrável, nossa natureza nada menos que inexplicável.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Desistência


Com desdém, saiu do carro, desceu as escadas, em direção à portaria, não cumprimentou o porteiro e nem sequer ouviu os gritos do homem. Foi em direção ao elevador, clicou no sétimo andar e nem percebeu quando ele telefonara, denunciando-a. Já não importava se a imprevisibilidade a ajudaria ou não. O que importava nesse momento era a vontade de saciar sua curiosidade. Chegando no andar, aberta a porta do elevador, corredor escuro à frente. A cada passo, uma nova luz se acendia, acionada pelos seus movimentos. Ao chegar à porta, silêncio total. Respiração acelerada, batimentos quase que guturais, vilosidades involuntariamente incômodas. Arruma os cabelos. Primeiro toque. Segunto toque. Chaves. Olho mágico. Porta aberta, devagar...Adentra. Do outro lado, um fantasma segurando a maçaneta. Franja por cima da testa, olheiras de duas noites em claro, cigarros jogados na mesa do centro, aquele cheiro ocre que fica quando não se toma banho. À frente da porta, sentia o ódio remoer suas vontades de dizer todas suas verdades. Ao passar por ela, e se deparar com um adversário tão inofensivo, desabou todas suas armas ao chão. Quebraram-se todas as suas defesas e deixou escapar todos os seus ataques. Só sentiu angústia e pena e amor por aquele que agora colocava embaixo do chuveiro, enquanto incessantemente tocava ao fundo o interfone. No momento em que limpava aquele corpo, pensava unicamente em como limparia aquela alma. Sem que triscasse gota alguma na sua, que custara tanto a clarear. O resto da noite passou ao seu lado, passando os dedos em seus cachos e torcendo para que a manhã do dia seguinte fosse menos turbulenta. E tivesse mais respostas, do que as dúvidas que estavam por vir. Naquela noite, acendeu um cigarro, depois de meses de abstinência. E enfraqueceu diante de dois vícios: o do fumo e o do amor.

terça-feira, novembro 07, 2006

Atrás da cortina de fumaça


Quando a gente faz fumaça, tudo embaça. Com aflição, o fogo ameaça se espalhar pelos outros cômodos, você se desespera por alguns segundos, imagina por poucos e curtos e longos momentos sua face desmanchando em pele e carvão. Mas nada se queima além do que se quer queimar. Aos poucos, as cinzas flutuantes se descolam das lentes dos óculos, as tosses mais fortes expelem qualquer resto de fuligem que tenha se enxerido pelas vias respiratórias. Paulatinamente, a vista desembaça, o cabelo se (des) arruma em pó. Restam os dedos negros cheirando a papel queimado e tudo que se quer é um banho de água fria. Enfim, a poeira desanuvia, e a gente passa a enxergar um mundo novo. Um mundo coberto de fuligem velha precisa ser olhado através de um olhar diferente. Um espaço diferente requer um maneira diferente de tratamento. Não se pisa num chão branco de limpo do mesmo modo que um chão podre de sujo. E é assim que os dias me vêm sendo apresentados. De forma diferente. O que era antes claro, hoje me põe dúvidas. E o que anteriormente eu desconhecia, hoje já nem consigo discordar da existência. Graças às fogueiras acesas. E às chamas luminosas, que causaram novas formas de olhar. Novos olhares. Muita poeira pra limpar, mas novos olhares.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Nova no ônibus

Fiquem sabendo.Quem vier pela Domingos Ferreira, e desejar descer na Parada do Shopping Recife, e não souber, sigam as instruções que eu escutei dia desses no ônibus. Uma mulher dizia a outra:
"Táis vendo essa construção da Môra Du-Beúxi (Moura Dubeux)? Quando passar da Pizzaria Hutz (Pizza Hut), vai ter a Braidjistone (Bridgestone). Pronto. A parada é essa. Desce, fia. Bora!!"
Entenderam???? Cuidado para não se perder!!
Até outra história de ônibus.

Graforréia


Mais importante do que o que se diz é a maneira como isso que se diz chega aos ouvidos daquele a quem se destina o recado que sai daquele que deseja emitir alguma opinião sobre alguma coisa que o chamou a atenção para que alguma atitude sobre alguma coisa possa ser tomada quando alguém que deseja chamar atenção para alguma coisa tenta fazer com que outra a receba e capte tudo que se intenciona, mas se, no caminho, a experiência do que aquele quem diz o recado se confunde com a forma com que se tentou dizer, e, mais ainda, as experiências daquele que recebe suplantam a tentativa tosca de entender o recado dado, perde-se tudo que se tentou fazer com a emissão do singelo recado, que mesmo importante pode se perder no que alguém não conseguiu transmitir e no que alguém não conseguiu captar, fazendo disso um grande e claro e confuso retrato das nossas próprias vidas: uma complicada graforréia que se perde num emaranhado de palavras que parecem nunca acabar, e se fantasiam do que tanto se quer transmitir mas às vezes não se consegue, a famigerada e discutida e complicada mensagem.

domingo, outubro 15, 2006

Um pouco bagunçado


Quando cheguei havia poeira e bagunça para todo lado. Móveis revirados, discos jogados ao chão, revistas rasgadas e um coração triste no canto, com cara de culpado. Arrumei tudo cautelosamente, com cuidado e dedicação. Levantei as cadeiras, pus água nos vasos e arranjei toalhas de mesa limpas. Tudo em seu lugar. Mas resolvi deixar aquele coração arteiro de castigo, no canto, imóvel, sem se mexer. Porque talvez ele seja imaturo para perceber que ficar sozinho não é o fim do mundo. Deveria tê-lo feito consertar toda a bagunça, mas resolvi deixá-lo com a angústia da dúvida do que eu iria fazer com ele. Por enquanto, será apenas um coração no canto, de costas, sozinho e pensativo em tudo que fez e deixou de fazer. Para aprender que um coração arteiro merece nada menos que castigo. Um dia eu tiro ele de lá.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Má digestão


O fundo das meias manchavam-se com a sujeira do chão daquele cenário grotesco. Corpos vestidos de gala, smokings e longos inutilizados vestindo cadáveres. As pernas dos noivos confundiam-se com as dos seguranças; os dentes do padre agora se perdiam debaixo das saias das damas de honra. Membros e vísceras agora enfeitavam o ambiente, novos elementos da decoração. As cortinas adquiriram um tom mais róseo. Mesas e cadeiras jogadas, horror espalhado em cada emenda do salão. Enquanto limpava o suor que escorria pela testa, revirava os corpos atrás do órgão de que necessitava. Deveria estar em algum lugar por debaixo daqueles tecidos, daqueles tufos de cabelos e pêlos ensangüentados. Enquanto tropeçava entre os pedaços, ossos estalavam sob os montes de carne contorcidos regados a 'champagne' francês. Não havia nada que o fizesse desistir de sua procura insana; não desistiria de resgatar aquele que viria a ser o maior troféu do único amor que ousou rejeitá-lo. Havia anunciado que aquele coração um dia voltaria a ser dele...Logo, o procuraria nem que o seu sangue começasse a se misturar ao daqueles inúteis. Até que, enquanto ria da face de horror de uma das tias do cadáver principal, viu reluzindo sob o vestido branco o coração que procurava. Parecia ainda pulsar no momento em que o mordia com toda a força, sentindo o gosto interno das cavidades misturado ao de sangue seco. E o mastigou impetuosamente, engolindo-o com satisfação.
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Após o banquete, levantou-se calmamente e sentou-se à mesa dos noivos. Guardando a lembrança do matrimônio no bolso do paletó, calmamente levou um guardanapo à boca, limpando o sangue que dela escorria. O sangue daquela que um dia lhe negara seu amor, mas que agora era digerida pelas enzimas de seu estômago. Um brinde à má digestão.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Ensaio sobre a Maldade


O que é maldade? Para início de conversa, maldade é um pouco relativo...pois o que pode ser considerado maldade para a vítima, pode ser a solução para o seu algoz. Contudo, entendo ser a maldade um ato injusto de tal forma que prejudique outrem, impulsionado pela simples finalidade de prejudicar. A maldade está intrinsecamente ligada à inteligência e ao sofrimento. Inteligência de quem dá causa e sofrimento daquele sobre quem recaem estes efeitos.
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Sobre a inteligência: a minha humilde observação e minha leiga opinião sobre o cérebro dos seres vivos me faz perceber que, quanto mais inteligente for aquele ser, mais propício ele está de praticar atos maldosos. O que quero dizer, para exemplificar, é o fato de predadores caçarem mesmo quando não estiverem com fome. É como se a inteligência burlasse o equilíbrio da cadeia alimentar, transformando necessidades em privilégios. Agir maldosamente, ao meu ver, é tentar conseguir mais para si em detrimento de uma constante falta para o outro. Vi certaz vez num programa de televisão uma cena pavorosa de orcas caçando focas. As baleias, como seres inteligentes que são (e superiores às focas) não se contentavam simplesmente em se alimentar das focas. As orcas, nada mais, nada menos, desferiam golpes nas focas, de modo a jogá-las de uma lado a outro em pleno mar revolto. Como se espancassem as suas presas, não sei se para amaciar a carne, sei lá. Mas o que vi foi uma cena de um predador (inteligente) torturando a sua presa antes de abatê-la. Nós, homens, somos capazes da mesma coisa. Fazemos isto com as próprias orcas, belungas, golfinhos e quaisquer outros seres que nos trazem lucro. Fazemos isto com nosso Planeta!! Até com nossos semelhantes... É certo que a raça humana é 'hour-concour' na Arte da Maldade, e tanto assim o Homem consegue ser, que muitos se questionam se é da natureza da própria humanidade agir dessa forma. Ao meu ver, não. Mas que a nossa inteligência nos fornece a meticulosidade necessária para praticar tais atos, ah, isso ela dá. Ela nos concede a capacidade de criar planos, de bolar loucuras, de pisar sobre o que já está pisado. Como se o grande número de neurônios que possuímos nos impulsionasse a agir de forma injusta, provocando sofrimento e sentindo prazer pela dor alheia. E, assim, seguimos, vítimas de nossa própria maldade.
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Sobre o sofrimento: o outro lado da maldade é o de quem sofre. É o alvo do excesso de inteligência. E esse sofrimento não atinge apenas quem diretamente sofre as terríveis conseqüências desse mal, mas também aqueles que reconhecem essa injusta prática mordaz. A vítima da maldade geralmente é o lado mais fraco da relação. Leia-se mais fraco não pelo significado óbvio, mas pelo significado de ser aquela parte que, por estar em desvantagem por determinada razão, padece por isto.
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Assim, não reconheço a maldade como inerente ao Homem, mas como uma forma de exercício da fenomenal capacidade de raciocício. O pior é reconhecer que aquele que atua para o Mal é também aquele que sofre o Mal, num ciclo interminável de causas e conseqüências.
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E segue a cruel realidade. Um misto de vítimas e vitimados que se confundem no infindável rol de maldades que fazem parte, infelizmente, do que nos é mais comum: a vida.

terça-feira, outubro 10, 2006

Opinião possessiva.


Já falei bastante aqui de mudanças, de impressões, de perturbações íntimas e sugestões de sentimentos conflituosos. Já desabafei sobre o que não gosto, sobre o que odeio, sobre o que não sei, e sobre o que gostaria tanto de entender. Já falei sobre muita coisa. E Muitos dos assuntos abordados dizem respeito a mim. Disso eu sei falar perfeitamente bem. De mim. Também sei que consigo falar razoavelmente bem sobre as coisas ao meu redor. Mas muito disso tem tantos dedos meus, que, mesmo sendo sobre algo externo, é como se estivesse vendo meu reflexo em tudo que me cerca. A tarefa de quem escreve, por mais que seja um exercício de observação do que está fora, reveste-se camufladamente de uma visão egoísta do que o autor vê do mundo. Portanto, ao tentar descrever as minhas impressões sobre uma simples viagem de ônibus, é impossível para mim desvincular disso tudo a maneira como EU enxergo certos detalhes, com isenção do que estes detalhes realmente representam. Nem tudo que eu digo ou que penso é a verdade. Mas também não é falso. Não é. É, simplesmente, minha opinião sobre o fato. Minha visão. Notem o possessivo. Minha. Daí a conclusão de que toda opinião é egoísta, por mais que sua finalidade seja em prol da coletividade, por mais que sua finalidade seja de compartilhar uma idéia. Opinião é uma espécie de manifestação de auto-congratulação. É um amostramento cínico revestido de argumento.
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Mas minha intenção ao vir neste espaço hoje, além de uma mera manifestação egoísta de mostrar apenas o que vejo ou sinto, é a de dividir opinião. Por mais individual que ela seja, ela apenas deixa de só isso ser justamente na hora em que é lida. Com a leitura do outro, minha ação presunçosa de emitir minha opinião se socializa. Ela cai na interpretação de suas pupilas e de seu cérebro do modo como suas experiências lhe permitem. Mas continua sendo minha a opinião. Apenas minha. E a sua será somente a de concordar ou não. E será sua. Só sua.
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Portanto, é no mínimo interessante notar que o ato de se comunicar, por mais que envolva, no mínimo, dois sujeitos, significa a emissão e a recepção de vontades individuais. Note que muitas das conversas alheias, por maior camaradagem envolvida, sempre são revestidas de desabafos pessoais. Quando alguém chega para contar-lhe algo sobre si, o que você faz? Na mesma hora não busca um experiência parecida na SUA VIDA para contar? Uma conversa entre duas pessoas, na grande maioria (quase 99%, diz a minha experiência de observação) é nada menos do que duas pessoas falando de si, em que muitas das vezes uma praticamente nem escuta o que a outra tem a dizer; apenas procura algo a dizer.
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Na minha opinião egoísta, as pessoas deveriam prender a saber dividir mais. Inclusive seus pensamentos. Quando meu amigo chega para me dizer que viu um filme muito ruim, eu não devo como resposta pensar num filme que EU também tenha visto e tenha odiado. Eu devo, sim, tentar entender o que ele está querendo me dizer, e dar todas as oportunidades a ele de demonstrar seu ponto de vista. Afinal, aquele é um momento dele. E sabe-se lá se ele está apenas disposto a falar de si.
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Muitas vezes prejudicamos demais nossas relações quando, no momento que outro chega para dividir, passamos a substituir. Problemas da comunicação.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Estado crítico constante


Eu sou uma panela de pressão. Resistente, suponho que de bom material, aparentemente sem rachaduras, útil para diversas coisas e ineficiente para outras. Consigo resolver muitas coisas facilmente, mas estouro se me superocuparem. Acumulo as coisas externas, isolando o que vem de fora de tal forma, que crio um estado interno de alta pressão capaz de "cozinhar" rapidamente as minhas coisas. Desse modo, crio estágios diferentes de pressão interna e externa e vou soltando, aos poucos, meus sentimentos internos, em busca do esperado equilíbrio constante, com o resultado do meu esforço nas minhas mãos.
*
E, ultimamente, essa panela tem estado trabalhando em estado crítico constante. Esperando o dia de estourar, torcendo para isso não acontecer, se controlando para os danos não ferirem ninguém à sua volta, contentando-se com os prejuízos de si mesma. Essa panela nunca foi de dar problemas, mas se preocupa, a cada dia, com a possibilidade de um dia provocá-los. Talvez precise de uns reparos, talvez precise de alguém que enxergue seus problemas, talvez precise ser substituída...Mas certamente ela não deverá desistir de trabalhar. Isso jamais!

segunda-feira, setembro 18, 2006

Recife cor de tijolo


Não posso dizer que conheço bem minha cidade, nem consigo afirmar com segurança que domino seus roteiros, seus caminhos...Mas o pouco que conheço faz brotar em mim a plena certeza de que a amo e, acima de tudo, a admiro. Nascido na periferia e criado na Região Metropolitana, fui acostumado a viver em outras realidades, que nada mais são do que meros alongamentos da minha cidade natal, que sempre esteve tão perto e tão longe ao mesmo tempo. Assim, minha vida inteira sempre foi um grande aprendizado sobre essa cidade, e a cada novo capítulo de minha história, era-me apresentada uma nova página de Recife.
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Alguns momentos me sinto até acanhado de demorar tanto a enveredar por seus caminhos, por ter perdido tanto tempo, numa espécie de frustração dos momentos que poderia ter aproveitado naquelas ruas que nem sequer sabia que existiam...Mas, ao mesmo tempo, percebo que esse relativo atraso talvez tenha me ensinado a valorizar ainda mais as qualidades dessa Cidade Maurícia. E como ensinaram...
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Às vezes me sinto enfeitiçado pela cor de tijolo dos bairros antigos, pelo cheiro forte do rio sob as pontes de metal. Hoje o Recife me encanta de tal forma, que me faz esquecer por diversas vezes de seus graves problemas, que meus também o são. Adoro a disposição que o corte do Capibaribe faz nela, sem seguir uma linha reta e friamente divisória, apenas. O Rio parece passear pela cidade e dá voltas como se para cumprimentar cada esquina da minha cidade de praças, de ruas ladrilhadas, de postes iluminados no cais.
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O centro da minha cidade é tão referencial que, de costume, é chamado de "cidade'. É na "cidade", ou seja, no Centro, onde tudo se concentra, de maneira tal, que é como se ele dispusesse radialmente para os outros bairros, sejam do Norte ou do Sul, reflexos do que lá acontece diariamente...Aprendi a andar um pouco pelas ruas do Centro, e a me apaixonar pelo contraste dos costumes modernos com construções tão antigas, que nunca nos deixam esquecer de nossa rica História...
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Ah, a História....me mata de orgulho a História de minha cidade... No passado - e no presente, que fique claro- funcionava como um verdadeiro celeiro intelectual e artístico, profusor de ideais, de idéias, de cultura e de movimentações políticas. O passado do Recife nos invoca a grande responsabilidade de manter esse espírito vanguardista e tão peculiar e nos faz perceber sua extrema importância na construção deste País.
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E nossa gente... Tão sofrida, e tão batalhadora, que rema contra os percalços impostos por nossa própria desorganizaçao. Antes, um povo de vizinhança, de conversa fiada na calçada de casa e fofoca na banda de jornal. Hoje, uma gente que teme cada sinal de trânsito, e se guarda, e se esconde, com medo do lado de fora (e tem motivos para temer inclusive o lado de dentro). Mas é este povo que representa a faceta mais linda do lugar, é este povo que dá vida aos movimentos de uma cidade tão castigada, mas brava e linda e de cor de tijolo que tanto amo.
***
Falar dessa cidade para mim é como falar de alguém que ainda não se conhece por completo: há sempre uma nova surpresa para contar. Surpresa esta, que me vem em forma de orgulho e em vontade de homenageá-la sempre. Vem em forma de amor.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Imperfeição


Eu amo o passado. Apesar de não conhecer História a fundo, nem ter uma mente ultrapassada, adoro olhar para trás e perceber o caminho que fiz. Eu gostaria de ter uma página anotada sobre cada episódio de minha vida e uma foto para cada cena importante. Gostaria de rever o áudio de cada frase que me fez sorrir ou chorar. Gostaria de presenciar novamente meus erros e meus acertos. De rir de minhas gafes, de minhas roupas antigas. Eu sou um completo saudosista do que se passou comigo.
Muitos dizem que o passado é para ser esquecido...Refuto fervosoramente essa afirmação! Por que hei de apagar de minha memória um roteiro completo de caminhos trilhados, que me ensinam com clareza qual o caminho que não devo seguir? Condordo, sim, em não andar para frente com a cabeça virada para trás! Isso, não!! Eu sou adepto da boa olhada por cima do ombro...
Escrever, por exemplo, é um de meus passatempos favoritos e das atividades que mais me ensinam a me conhecer. Cada linha que escrevo mostrará eternamente o que se passou na minha cabeça certo momento. Assim, cada texto que fica para trás surte efeito semelhante ao das páginas de diário e das fotos instantâneas que mencionei mais acima. Além de um ótimo hábito, escrever me faz traçar um roteiro de todas as minhas sensações, opiniões e sentimentos. Como é bom reler mais à frente o que escrevi mais atrás. E como é bom saborear minhas imperfeições...Por esta razão, não sou do tipo que busca a perfeição. Adoro os erros de meus textos (se forem de digitação, eu corrijo) e me divirto muito quando, depois de um certo tempo, vejo alguma colocação imatura, incoerente, ingênua. É como se olhasse para trás e pudesse mensurar de alguma forma o quanto mudei e o quanto sou capaz de (re) fazer melhor.
Ao meu ver, a letra é expressão do momento atual de quem escreve, com as imperfeições da época, com os riscos e imaturidades do passado em que escreveu seu texto. Logo, não deve ser mexido. Ele pode ser aprimorado esteticamente, concordo. Mas na hora!! Não depois!! O que vem depois é um retrato. E realizar uma espécie de "fotoshop' num texto do passado dá a mesma impressão artificial que a gente vê nas capas de revistas. Sou a favor da obra sem enfeites acrescidos, sem retoques. A favor do texto que retrate perfeitamente o que se foi.
É por esta maior razão que escrevo. Para poder me guiar não em busca da perfeição. Mas, sim, para me reconhecer nada menos como alguém imperfeito, em construção.

sexta-feira, setembro 08, 2006

Facínoras fascinantes


Como viver é engraçado...Somos seres altamente complexos - ou pelo menos nos achamos assim- e somos capazes de agir de diversas maneiras, em diferentes situações, em distintos momentos e lugares. Somos, digamos, seres altamente versáteis, adaptáveis, cuja característica das mais marcantes reside simplesmente na insatisfação. E este ponto é imprescindível na percepção do quanto complexos somos. A grande maioria das pessoas teoricamente nasceu para atingir objetivos: aprendemos que devemos viver em busca da felicidade, e ela, de modo geral, deve vir revestida de saúde, amor e dinheiro no bolso. Mas, quando se tem tudo isso, nunca se sabe se a felicidade já chegou. Não venho aqui falar de felicidade, mas do quanto somos injustos com a felicidade que nos é apresentada. Para nós, ela é o grande objetivo, mas nunca a reconhecemos, simplesmente porque nossa incessante "vontade do mais" nos nubla a devida consciência. Somos inconformados por natureza, e esse estado de entropia constante nos torna cada vez mais investigadores de novidades que venham a preencher o estado vazio causado por algo que está para chegar, mas chegou e não se percebeu. Somos animais que pensam (demais) e, por isso, sentimo-nos obrigados a fazer jus a essa capacidade única: queremos mais! Queremos sempre buscar uma forma de ultrapassar limites, de aumentar nossas áreas de influência, de esticar nossos passos, de aumentar nosso ritmo. Corremos sempre em busca de recordes, de galgar degraus mais altos e mais difíceis...E, nessa trajetória, esquecemos de nós mesmos...Esquecemos, por conta dessa corrida pela felicidade plena que nunca virá, que já somos felizes. Não percebemos o quanto o presente de ir em busca da felicidade nos mostra caminhos felizes! Mas não os vemos...E, assim, felizes que somos, vemo-nos muitas vezes tristes por não encontrar a felicidade com que sonhamos.
*
Somos facínoras fascinantes, verdadeiras vítimas de nós mesmos...

segunda-feira, setembro 04, 2006

Negócio


Eis o negócio:
não negue o ócio
e seja meu sócio.

terça-feira, agosto 29, 2006

Ele por ela...Ela por ele


Ela sempre o via no metrô. Seu olhar de hipnose nunca deixava transparecer o que sentia por ele, sabia disso. Mas o medo de entregar suas intenções a um estranho conhecido a fazia demonstrar menos interesses do que a própria falta de interesse.
*
Ele a notara antes mesmo de ser notado por ela. Quando viu seus cabelos vermelhos pela primeira vez, teve a certeza de que entre aqueles cachos faltavam seus dedos. Mas ele não notara sequer um mínimo gesto de aceitação por parte dela. Ao menos um rabo de olho...nunca! E isso o castigava mais do que a espera por aquele rotineiro horário do metrô, a hora em que iria revê-la.
*
O tempo passava, e a estátua dela assim permanecia: estática, sóbria, concentrada em guardar para si cada "flash" de momento que sobrava quando a atenção dele parecia não estar lá. Ela, com todas as dificuldades que seu temperamento lhe impunha, passava toda a viagem de ida ao trabalho tentando guardar os cheiros que ele exalava, o jeito dele bocejar, o modo com andava...Mas nunca o deixava penetrar na redoma que criara em torno de si...
*
Ele só via aqueles cachos vermelhos à sua frente. Nos degraus, nos corrimões, no passar do vento só via o movimento daqueles cabelos vermelhos. Já cansara de se imaginar agarrado àquele pescoço, de pensar quão bom seria caso pudesse chamar a atenção dela de alguma forma. Mas ela parecia de gelo. E não derretia.
*
Eis que um dia a redoma dela começou a rachar. Aproveitando-se de um cochilo dele, pôs-se a observar sua feição enquanto dormia. A calma daquela respiração, o leve cair de seus cabelos lisos sobre a testa, o jeito dos seus lábios fechados num sono descompromissado. Ela deixou-se enfeitiçar por aquela visão de seus olhos apaixonados, eternecidos pela inocência que ele emanava. Aquele cochilo aguçou seu espírito maternal, brotando nela uma vontade de aninhá-lo em seus braços e de embalá-lo. A doçura daquele sentimento e daquela ternura provocou uma leve rachadura na sua redoma protetora, fazendo ressonar um leve tilintar, que o fez abrir os olhos.
*
Ele despertou e a fitou no exato momento em que ela, divagando em seus pensamentos mais carinhosos, mostrava um sorriso de encantamento direcionado exatamente para ele. Disso, não podia se enganar. Quando ele percebeu que era ele o alvo daquele olhar tão terno, não havia espaço em seu peito para tanto sentimento. Sentiu-se um sonâmbulo ao levantar, por achar que aquilo só podia ser a continuação de algum sonho. Ainda dormia, não era possível!Mas sentia suas pernas e elas o guiavam na direção dela, decididas.
*
Surpresa por ter sido flagrada num momento que considerava tão íntimo, ela não soube como agir. Foi quando percebeu que ele se levantava. Ele vai descer, ele vai descer. Não pode vir aqui, não será possível. Mas ele continuava se aproximando e, a cada passo que ele dava, mais ela se encolhia à janela, quase infiltrando-se no vidro, com vontade de se jogar, para evitar aquele aguardado (porém temido) momento em que ele lhe dirigisse a palavra.
*
Inadvertida, inconsciente e instintivamente, ele parou ao seu lado, sentou-se e pôde perceber que seus olhos eram ainda mais verdes do que conseguia ver a determinada distância. Sem pensar, apenas sentindo, pousou carinhosamente sua mão sobre a dela e notou um leve tremer por parte dela.
*
Impressionada, encantada e extasiadamente, ela sentiu quando o ombro dele tocou o seu e pôde perceber que os cabelos dele eram ainda mais lisos do que conseguia ver a determinada distância. Sem pensar, só sentindo, notou que ele, carinhosamente, pousara sua mão sobre a dela e notou um leve tremer por parte dele.
***
E, assim, de mãos dadas, seguiram viagem. Nesse dia, nenhum deles desceu em seu destino, pois tiveram a certeza de que o verdadeiro lugar de cada um era segurando a mão do outro. Na última estação, levantaram-se, saíram do vagão e enfim se encararam de frente, sem dizer palavra alguma. Naquela hora, ficou encerrada, mais do que a alegria de quebrar os próprios limites, a felicidade de se ver refletido no olhar do outro. E desse jeito perceberam que seriam naqueles reflexos suas moradias dali por diante.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Depois do São João


No meio do nada, assim seguia Maria: sentada à beira da estrada num velho tamborete, descascando milhos, debulhando grãos...um meticuloso trabalho de formiga operária. No dia anterior, ela sozinha havia colhido todas aquelas espigas do campo de milho da cidade. E naquele dia, iria ela própria sentar à beira do fogão quente, mexer as panelas e preparar canjica, pamonha e bolos de milho para a festa de São João.
Era todo dia essa rotina: alguns dias de plantação, seguidos de dias de espera, os quais ela passava tecendo redes de descanso com fios de palha seca da casca do milho velho. Quando o milho dava, Maria gastava um dia inteiro na colheita, sob o sol escaldante. E quando já tivesse colhido o suficiente, começavam os preparos. Senta, separa, descasca, debulha, enxuga o suór. Não pensa, tritura, lamenta, descasca novamente. Chora e debulha novamente. E assim continua, despejando sobre os grãos suas lágrimas.
Naquele dia, enquanto as moças da cidade preparavam-se entre tranças e vestidos de chita, Maria debruçava-se sobre a panela, mexendo a colher até engrossar a mistura. Enquanto os rapazes se empapavam de loção de feira e bebiam seus quartinhos de cana à volta da fogueira à espera das moças faceiras, Maria punha-se a se entregar ao estado de semi-moribundez em que vivia entre as panelas que ferviam.
Eis que chega a noite, começam os folguedos, o som das sanfonas e ilumina-se a cidade. Mas Maria não pode participar da festa, pois suas costas doem por demais, por causa de todo o trabalho de dias atrás...
E, novamente, Maria chora sob os lençóis pesados, ao mesmo tempo em que bombinhas explodiam do lado de fora e todos comiam com vontade todos os pratos preparados pela pobre Maria.
Após a festa, todos foram dormir, cansados das folias de uma noite feliz, no momento exato em que Maria acordava do último pesadelo. Cinco da manhã, Maria se levanta, brilho opaco no olhar, como feitiço, enquanto nas outras casas a cidade preparava-se para dormir. Maria segue o caminho da plantação, descalça, levantando poeira, mais poeira do que toda a quadrilha junina na noite passada levantara. Maria segue decidida, foice em punho e chega a seu destino: a plantação de milho. Orquestrada pelos sons de seus gritos ensandecidos, Maria desfere golpes certeiros sobre as plantas, à medida em que as pessoas na cidade iam se acordando uma a uma. Enquanto a dança da foice de Maria se dava, acima, abaixo, folhas para um lado, raízes para outro, as pessoas seguiam a melodia dramática da trilha sonora dos gritos com os golpes secos.
E se surpreenderam com o espetáculo que viam. Mais do que com qualquer luz, brilho, som ou beijo da noite enterior. Toda a cidade, recém-acordada, presenciou o (des)controle de Maria, que se libertava dos grilhões a que era submetida.
E, tal qual Maria nos dias de tristeza, todos choraram. Ela, mãos já ensanguentadas, pés de milho mortos sob seus pés, e a triste canção do choro de toda uma cidade.
Mas não eram só as pessoas que choravam. Choravam também os milhos mortos, os grãos secos e as folhas no chão. Choravam a fumaça da fogueira apagada, os balões que sobravam no céu e as garrafas e copos sujos jogados no arraiá.
Foi quando, num último gesto, cai Maria, toda suja, entregue aos restos de sua surpreendente atitude. Cai Maria, morta, como os pés de milho.
***
E, sobre seu corpo e sua solidão, cai uma singela bandeirinha de São João. Vermelha, da cor de seu sangue.

domingo, agosto 20, 2006

Sol


O sol apareceu pra contar que as nuvens de ontem foram encomendadas por ele.
'Muito cansado, ultimamente', ele disse.
Logo, chamara as nuvens para ocupar o espaço dele no céu.
Só que as nuvens cumpriram bem demais o seu papel.
Empolgadas com a importância de tal substituição, elas partiram a ocupar todas os lugares que antes pertenciam aos raios do sol.
Com sede de eficiência, taparam todas as frestas, fecharam todas as brechas...
E, sem querer, criaram uma escuridão nunca antes vista, uma espécie de sombra incessante, escurecendo todos os espaços.
*
Eis que, com o recesso do sol, todos perceberam que nada pode susbtituí-lo, e que ele é, indubitavelmente, essencial.
*
A luz, mais do que a beleza de enxergar, traz a sensação psicológica de normalidade à rotina. Traz a calma necessária para que o andar da carruagem não perca o rumo da estrada, por mais sombras e obstáculos que ela possua...por mais que ele esquente, queime e seque sem pesar.
Mas, ele floresce, ilumina e envivece o que estava quase morto.
Depois daquele dia, nunca mais o sol fez suas malas.
E voltou ao velho hábito de despedir-se de um lado, apresentando-se ao outro.
Sempre lá....onisciente...como devem ser os melhores contadores de histórias...

terça-feira, agosto 08, 2006

Rimas de Pedaços


Ele,
nos passos,
se pergunta
se o tempo
que tem
é suficiente
para agir
do modo
como gosta.
E a resposta,
tão logo,
a sorrir,
faz presente
se mais além
o sentimento
junta
os pedaços
dele.

segunda-feira, agosto 07, 2006

A flor


Sol. Chuva. A flor. Água. Seca. Folha. Falha. A flor. Espinho. Néctar. Abelha. Pé. A flor.
*
Pétala esmagada.
*
Mesmo assim, flor.
*
Entregue, a flor se esvai, esquecendo de que o poder das circunstâncias é menor do que a beleza da estação.

sábado, agosto 05, 2006

Intenção


Se ele se esforça
e tenta corrigir
falta força
pra transmitir

A mudança
que ele tenta
como uma trança
se desfaz, lenta

Se ele reluta agora
em vez de mudar
o agir de outrora
o faz parar

Segue o coração
no caminho de amar
reconhecendo a intenção
de melhorar

Mas isso não se faz
ele se perde
nos caminhos lá de trás
e se esquece

que os momentos de paz adormecem quando os sonhos sem avisar aparecem...

terça-feira, agosto 01, 2006

A hora dos cafajestes


E se disseminam as bandeiras de cores vivas e de números fáceis pelas esquinas, pontes e sinais dessa cidade. E se avolumam as promessas baratas, as politicagens mascaradas pela 'política', a troca de interesses, as ilusões. É chegado o momento de discutir o já sabido, de 'fingir' apoio em troca de algum favor pessoal, de ganhar 'simpatias' falsas e abraços irrelevantes, mas bonitos de se ver na foto. É chegada a hora do voto-mercadoria, do comércio de ideologia, da sonegação, do "caixa 2". É chegada a hora da mentira, da ciência do falsismo, da descaratez, da cara lavada. Da velha e mascarada 'política do pão e circo'. Da vetusta dicotomia 'direita x esquerda' ganhar as padarias, os bares e as filas de banco. É chegado o momento de comentar quem apareceu com o terno mais bonito. De quem roubou mais ou menos na gestão passada. De quem vai continuar votando pela manutenção do 'status quo'. É chegado o momento de discutir quem pareceu menos nervoso com a última pergunta do William Bonner. É chegada a hora de rir da falta de dedos, das línguas presas. É chegada a hora de amaldiçoar os almofadinhas do poder, cujos tronos são adquiridos por herança disfarçada, através de uma simples troca de coroa possibilitada por um caríssimo curso de oratória no Sul. É chegada a hora de pregar 'bottoms' com rostos nunca vistos, de colar adesivos com nomes nunca lidos, de pintar os muros com frases já prontas e de vender opiniões nunca sequer pensadas. É chegada a hora da fantasia, da comédia, da chanchada, da cafajestagem em sua prática mais abominável. É chegada a hora das novas técnicas de marketing. É chegada a hora do exercício mais cruel da publicidade. É chegada a hora dos absurdos, das enganosas manchetes. Das puxadas de perna, das traições, das brigas entre coligações, de jogar a favor do vitorioso. É chegada a hora do parecer ofuscar o ser de cada um. É chegada a hora dos gastos inapropriados, das 'doações' vendidas, das falsas modéstias. É chegado o momento dos falastrões. Dos fanfarrões. Dos engravatados com suas pastas repletas de cartões estampados com sorrisos mentirosos...
***
É chegado o momento da culpa, da tragédia, da depressão e do descrédito no sistema. É chegado o momento de lamentar a estrutura, de sonhar com procedimentos inovadores. É chegada a hora de desejar o indesejável. De querer o sonho de uma utopia irrealizável. E é chegado o momento de se perder nos caminhos da tecla verde. É chegada a hora de cumprir o dever, como se deixasse de ser um direito conquistado.
***
É chegado o momento de ser hipócrita. Hipócritas, sirvam-se !!! Há diversas oferendas esperando uma mão para empurrá-las em meio à maré da enganação.

sábado, julho 29, 2006

A caixa


Havia uma caixa ali no canto. Guardada. Selada. A chave da caixa estava em algum lugar, mas ninguém sabia onde. Estava muito fácil, logo ali. Mas dias se passaram sem que a caixa fosse aberta. Porém, num belo dia, alguém passou e ela estava escancarada. Dentro, não havia nada. Dias depois, alguém encontrou a chave. Debaixo da caixa. E junto dela, havia um bilhete:

"Nunca é tarde pra chorar", dizia ele.

E todos choraram pela caixa vazia. Porém repleta de significado.

sábado, julho 08, 2006

Música


Eu e música é um negócio assim: amor à primeira vista. É muito difícil de se acostumar a gostar do som. Quando eu escuto as primeiras notas de uma música que vou certamente gostar muito, eu percebo naquele momento a medida exata do quanto eu vou gostar. Com música eu sou completamente diferente do que sou com as pessoas. Ou de como estou com as pessoas. Mas isso é papo pra outro momento.
Hoje eu vou falar de música. E, música...Ah, é uma das coisas desse mundo de que mais amo. Gosto tanto de ouvir música, que às vezes não sei porque não nasci com dom pra coisa...Está certo que nunca toquei num violão que não fosse pra desafiná-lo, e num microfone, que não fosse num videokê. Mas é que deve haver algum talento musical em algum lugar, que não seja no gosto de ouvir. Um dia eu encontro.
Por enquanto, vivo à procura de música boa, que me toque, a todo momento. Sou louco por novos sons e novas formas de cantar. Quanto mais original, quanto mais novidade, melhor. Quanto mais vontade de fazer ARTE diferente, melhor. Quanto mais vontade para evoluir e criar sensações diversas a partir de uma mistura de notas, melhor. O que é música boa, para mim?? É aquela que faz bem aos ouvidos. Aquela que inspira. Aquela cujo mote principal está longe do universo capitalista das gravadoras e das rádios comerciais. Música boa pra mim é a expressão do que um ser, chamado artista, tem dentro de si e apresenta para mim. E essa expressão que sai dele, chega em mim de um jeito diferente e assim vai...Uma criação de expressões diferentes. E a minha diversão de ouvir música vem daí. Não ouço música simplesmente por diversão. E a diversão, para mim, tem pouco a ver com ritmo, batida, simplesmente. Tem mais a ver com a mensagem da música. E, como expressão de Arte, ela deve conter , sim, a mensagem embutida na mistura da letra, com a melodia, com o arranjo, com a interpretação do cantor. E quando eu falo Arte, não falo no sentido culturalmente elitista, mas no sentido de valorizar uma forma de expressão tão piamente castigada. Valorizar uma música pela sua batidinha legal é o mesmo que reconhecer a qualidade de um quadro simplesmente por sua moldura. E a tela?? As tintas?? As cores?? Os detalhes??
Sinceramente, pessoas que gostam de "músicas" cujos versos principais ditam :"Lapada na racahada" ou "Vamo fazer um milk shake de num-sei-que-lá" não gostam de música.
Porque isso não é música!!!!!
Chamar isto de música é um ultraje àqueles que gastam horas com um violão nos braços tentando colocar seus corações em cordas que viram notas que viram letras que viram músicas.
Muitos podem dizer que estes protótipos de música são, sim, demonstrações culturais. Que são populares. E que, num futuro, talvez próximo, podem fazer parte do imaginário popular, se transfigurando numa espécie de demonstração folclórica-sensual dos excluídos sociais de outrora. Respondo a esta questão com dois argumentos: 1- vivo nos tempos atuais, logo, me preocupar com o que estas demonstrações podem vir a ser não é problema meu, pois a conjuntura social que vivo é esta, não a que virá; 2- Estas músicas pervertidas (sem falso-moralismo) são nada mais do que GOLPES de empresários com tino comercial que ganham muito dinheiro às custas da falta de cultura do povão. São verdadeiros mercenários, deseducadores, gatunos e salafrários, ao meu ver. Os chamados "empresários" dessas bandas de forró eletrônico e de brega em nada se preocupam com os peões que vão trabalhar para eles lá no palco. Aquele que vai lá e canta "Lapada na rachada" não significa nada, a não ser um operário da Empresa que vive de vender lixo sonoro. Quando um "cantor" ou "cantora" entram numa banda dessas, há outros tantos (vindos da periferia, pra manter a identificação) na fila à espera para substituí-lo, sem problemas. E, para mim, chamar isto de música é ferir a quem realmente gosta dela.
***
Pois bem.
Vejam que o título deste POST se chama "música". E era mesmo para ser uma homenagem àqueles todos envolvidos no trabalho mágico de transformar ouvidos em pontes para uma expressão cultural. E acabou sendo mais uma crítica aos que os transformam em ralos de esgoto. É, eu sou assim...Não consigo deixar de criticar. Mas esta crítica foi uma forma de defender uma expressão que me faz tão bem e da qual eu sou total escravo : a música.

terça-feira, julho 04, 2006

Marés x Estações


Todo mundo sabe que a vida se vive de altos e baixos. Essa é a pura verdade...
Nem sempre estamos sempre por cima; nem sempre estamos sempre por baixo.
Mas quer saber de algo que modifica um pouco essa relação de certeza de que o ruim sempre dá espaço ao bom uma hora e vice-versa?
O conflito entre marés e estações.
O que se entende por maré ? (sem ser no sentido geográfico). Trata-se de momentos que se sucedem alternadamente...Altos e baixos e altos e baixos novamente. Assim, ininterruptamente. Um momento dando lugar ao outro em curtos (sim, curtos) espaços de tempo.
O que se entende por estação? (também sem ser no sentido geográfico). Também são momentos de sucessão alternativa...Altos e baixos e altos e baixos novamente. Só que, agora, um período dá lugar ao outro em espaços maiores de tempo.
O que isso tem a ver com altos e baixo na vida? Tudo!!!
Deseje sempre ter marés de altos e baixos!!! Almeje sempre que venha à frente mais marés...Por que com elas a gente aprende mais fácil... Um dia repleto de altos e baixos traz equilíbrio e nos acostuma mais facilmente à grande verdade com que comecei este texto. Antes uma manhã ruim intercalada por uma tarde melhor, seguida por uma noite perturbadora e um sono calmo... Antes um tropeço seguido de uma subida...Antes um sorriso de alívio logo após um choro de dor ...
Não queira experimentar estações de períodos bons e ruins...Pois eles te enferrujam a tal ponto, que nas estações ruins, tudo vira caos e ele se estabelece, enraizando-se nas suas entranhas, de modo que causa sofrimento em doses extras e cavalares. A estação boa é só alegria, é verdade. Mas te acostuma mal...e te desprepara para o solavanco posterior que te empurrará para o buraco obscuro da próxima estação. E, assim, te desequilibra, te dando de volta o que achou que já estava perdido eternamente, porém, te tirando de vez o que achou que teria para sempre...
***
O que se deve buscar nessa vida é o equilíbrio das emoções... e isso se consegue através de momentos de marés. Uma estação de boa colheita rende frutos ótimos, mas de nada adiantam se estes frutos numa próxima estação ficarão podres por um bom tempo. A maré poderia levar frutos e trazer frutos com a mesma intensidade que uma estação, sem os principais danos. Pois este fruto poderia cair de sua mão com a mesma facilidade com que você o colheu. Mas, isso te ensina mais rápido a segurá-lo mais forte da próxima vez. A proximidade dos espaços entre as marés nos ensinam mais do que o sentido volátil da vida: elas projetam sobre nós lições instantâneas. E menos sofridas, mais proveitosas.
***
O grande problema é como controlar as marés e as estações. Isto ainda não entendi. Porém, fico satisfeito de poder construir a consciência de ambos, não importando se amanhã se inicia uma nova maré ou uma nova estação. Ter a consciência sobre as coisas da vida, ao meu entender, é o primeiro passo para aprender como dar os passos certos, ainda que não exatos. Mas, se estes passos , embora que ainda sobre grande neblina, puderem me levar a algum lugar mais alto e a algum mais baixo logo depois, em vez de longas caminhadas em buracos seguidas de maratonas sobre céus, aí eu saberei a medida certa do passo seguinte. Mesmo com olhos ofuscados.
***
O que eu quero mesmo é acertar agora e errar daqui a pouco, para acertar novamente daqui a dez minutos e errar de novo dali até meia hora. Porque acertar durante meses e sofrer por outros meses logo após....é chato demais.

segunda-feira, julho 03, 2006

sorriso depois do choro é o sorriso mais sincero.


Hoje eu quero dizer que o sorriso após o choro é o sorriso mais sincero. Hoje eu quero engolir o mundo com meu sorriso de boca grande. E mostrar os dentes, de modo que faça rir quem está comigo e que bote medo nos que não estão. Hoje eu quero abrir a cortina e perceber que tenho motivos para cantarolar novamente e falar "Oi, pássaro" para o beija-flor que me visita a essa hora. Hoje quero quebrar as algemas de mentira e contar mais do que números na parede da minha cela. Hoje me deu uma vontade arretada de contar toda a minha história, de ouvir todas as histórias, de fazer mais histórias...Hoje eu quero pensar que amanhã pode ser melhor e não que ontem poderia ter sido melhor. Hoje eu quero sentir tudo aquilo que há tempos não sentia. Hoje eu quero ser garganta e pulso acelerado. Hoje eu quero comédia, só comédia... Hoje eu quero espantar o tédio, hoje eu quero espalhar mentiras, quero divulgar segredos, quero queimar os papéis das regras. Hoje eu quero encher o pulmão de cor, quero deixar pegadas de vento no asfalto, quero colorir o cinza do chão sob o móvel mais pesado. Hoje eu quero escrever sorriso. Hoje eu quero sorrir escrevendo. E quero que sorrias enquanto escrevo. Hoje eu quero nada mais do que alegria. Quero senti-la correr pela corrente de sangue e de emoção. Quero me cegar pela vontade íntima de pular as cercas, de roubar as rosas e de cheirá-las. E perceber que o aroma da rosa roubada só não é mais puro do que o cheiro dessas linhas, se ele existisse.
***
Hoje eu quero mostrar que não só de problemas se vive a vida. Hoje eu quero dizer a ela que tenho medo de suas sombras e de seus buracos e de seus trovões. Mas que aprendi a usar esse medo para esperar o momento de sorrir novamente. E vou esperar com tanta angústia, que ele logo vai chegar. E novamente eu vou sorrir. Com dentes mais imponentes e mais ameaçadores.

OBS: e obrigado a quem me fez sorrir debaixo da sombra, dentro do buraco e sob o trovão.

sábado, julho 01, 2006

Vermelha de vergonha


Revanche - palavra de origem francesa, que significa "reparação geralmente dura, rude, de afronta, ..., sofrida; desforro; vingança."
Levando em conta a grande influência cultural que nos foi peculiar ao longo da História, pode-se citar "revanche" como um dos exemplos dos empréstimos etimológicos realizados pela Língua Portuguesa. E tomamos essa dos franceses..
O que se espera de uma revanche é tentar dar o troco, é conseguir algo que já foi perdido outrora..revanche é finalmente, vencer algo que um dia o derrotou.
Não foi o que o Brasil fez.
Nessa Copa do Mundo, o Brasil entrou como favorito..Fez uma campanha tímida, não muito convincente, mas vitoriosa. Chegou até as quartas tendo que enfrentar um adversário que o havia tirado a chance de disputar o título mundial em 86 (também nas Quartas) e já tirara o título em 98 (na Final).
Pois bem...Esperava-se uma revanche??? Claro que sim!! Finalmente o Brasil poderia mostrar que não apresenta um futebol de desculpas prontas para a derrota. Esta derrota foi indesculpável... Não por ela em si, mas pelo modo como não se tentou evitá-la.
Agora todos sabemos o que vai acontecer...Parreira será rotulado de incompetente, turrão e apático. Os jogadores, de que não honraram a camisa tão importante...
Eu não vou acusar ninguém de nada. Continuo achando que temos os melhores pés para jogar futebol..mas nao temos as melhores cabeças... E o que faz um pé sem uma cabeça??
A revanche na verdade foi dos pessimistas... Que há muito perdiam jogos importantes enquanto o Brasil seguia em frente... Só que esse caminho foi detido pela falta de vontade e garra de vencer!! Derrotas acontecem, tudo bem... Mas gostaria, sinceramente, de ter perdido como a Inglaterra, como a Argentina...que lutaram até o final e que mostraram que entraram para disputar um título tão esperado.
Agora, voltemos do mundo fantasioso de Copa do Mundo...O sonho do Hexa foi adiado por 4 anos. Durante este tempo, vamos fazer o que o Brasil não fez!! O povo brasileiro tem inúmeras revanches a vencer nesse tempo. Contra a fome, contra a miséria, contra a falta de emprego, contra a falta de cultura, de educação, de saúde , de quase tudo. Temos uma importante revanche a vencer nas urnas daqui a alguns meses!!!E , até agora, vejo que nós, brasileiros, entramos pro jogo como nossos jogadores entraram hoje...Apaticamente.. Porque não seguir este exemplo frustrante para mudar alguma coisa???
Voltemos logo à realidade de nossas lutas diárias, pois o sonho, por enquanto, ficou pra mais tarde.
Orgulho-me de ser brasileiro, sempre. Mas não me orgulho de ver um time de futebol que não defende as cores do meu País tanto quanto acrescenta créditos à conta bancária!!
Mas, juro, juro, que minha bandeira permanecerá hasteada, flamejando, linda, linda..
Verde, Amarela, Azul e Branca... Mas, hoje, até que ela ficou vermelha de vergonha...

sexta-feira, junho 23, 2006

Para Elizabeth, com carinho


Eita, se isso aqui falasse
Isso aqui de dentro
desse lado que tanto usas..
Ah, se isso aqui pudesse dizer em palavras
tudo daqui de dentro
todo sentimento
quem sabe ao certo
quanto tempo
iria levar...
Se você pra mim é exemplo
Se você pra mim é alguém
isso aqui de dentro gosta mais do que gostar.
Esse aqui, grande companheiro
não é muito bom no saber
mas é melhor no sentir
e o que ele sente por você
há poucas palavras pra dizer.
Mas se num segundo ele pudesse
emitir algo que um simples "tum"
seria "te amo, amiga
somos dois, somos um
de alma e canção
somos assim, irmãos
escolhidos, por mim,

o coração."

sábado, junho 17, 2006

Vida Passageira


A gente aprende muita coisa andando de ônibus.
As pessoas que têm um senso crítico mais apurado e que estimulam em si mesmas a pura observação são as que mais evoluem nesse aprendizado.
E eu, há um tempo atrás, antes de me tornar freqüentador assíduo dos ônibus, não tinha nenhuma dessas características. Mas, inevitavelmente, andar de ônibus me fez cultivá-las, o que me ajudou bastante a formar este ser complicado que sou hoje.
Pois bem.
Andar de ônibus me deixa muito tempo sozinho comigo mesmo. No começo de minhas andanças, que contabilizam cerca de duas horas e alguns minutos dentro de ônibus diariamente, eu nem sentia essa presença solitária de minha consciência, pois ainda o caminho me entretia, a esperança de encontrar conhecidos era viva, a possibilidade de dormir era grande - pois o cansaço era igualmente grande; e ainda é -, bem como pensar na vida era um passatempo muito bom para passar o tempo. E pus bastante em prática estas atividades: me divertia com as paisagens, esperava por conversas animadas com conhecidos que há muito não encontrava, dormia e pensava.
Mas isso tudo, sinceramente, enjoa.
Enjoa porque se cria uma rotina. E, no ônibus, é muito difícil de se quebrar essa rotina. Pelo menos até eu comprar meu aparelhinho de mp3, que vai me desligar completamente do mundo do transporte para o mundinho introspectivo de minhas músicas favoritas. Sonho com esse dia em que não mais vou precisar reparar em conversas para passar o tempo. Desejo com ansiedade o tempo em que não mais precisarei me contentar em ler "outdoors", nem ficar bolando versinhos que se, não anotar na hora, certamente vou esquecer. Cansei mesmo de ter que pôr minhas técnicas de pegar no sono em prática. (Depois eu as conto aqui). Cansei!! Eu não estou reclamando de andar de ônibus, não. Mesmo porque é uma realidade bastante real minha. Afinal meu peugeot está tão longe de se concretizar...(hehehe) Mas é que o ser humano é inerentemente insatisfeito.
E olhe que eu me satisfaço com tão pouco de tudo...
Mas, para divertir este texto chato e turrão e reivindicador de uma causa menor, aqui vão dois diálogos colhidos no ônibus, numa de minhas observações mais interessantes. Numa conversa de pai pra filho, anotei - isso mesmo, se não tivesse anotado, certamente teria esquecido - dois trechos de um longo diálogo que me fez ficar acordado em plena manhã de domingo ( muito cedo) numa de minhas idas para o fim do mundo para fazer concurso público. O garoto tinha lá seus 11, talvez até menos, ou até 12, sei lá. Eu sou péssimo para chutar idades, mas o que era certo mesmo nele era sua inteligência e esperteza. Bastante amadurecido, falava com o pai do mesmo patamar, utilizando das mesmas expressões que ele, deixando claro que era criança, mas que isso não o impedia de ter uma conversa de igual para igual com o pai. Este, em retorno, parecia estimular essas característica do filho, e travou diálogos tais com ele, que só me fizeram perceber a relação pai-filho apenas pelo modo como se chamavam. Apenas isso.
Então tá. Aí vão na íntegra, dois trechos da longa conversa ( só copiei esses, deixo bem claro) :
- Pai, Costa do Marfim é "Elefante", é?
- É.. é a "Terra dos elefantes."
- E porque o Brasil é canarinho? Que nome...
- Porque o Brasil é amarelo, ué.
- Mas, pai, tem canário de outra cor.
- Tem não.
- Tem sim !!!
- Não tem, meu filho, todo canário é amarelo!!!
- Canário da Terra ...??
- A ma re lo !!
- Oxe..então o Brasil deveria se chamar calanguinho... num tem verde...
-..., calou-se pai.
***
Mais tarde, lá pelo final da viagem, veio esse:
- Pai, no Brasil tem vulcão?
- Não, não tem.
- Poxa - respondeu o garoto, insatisfeito- , deveria ter pelo menos um....
***
Pois é...é por causa dessas e outras que uma viagem chata de ônibus pode se tornar interessante. Para pessoas acostumadas a reparar de verdade nas outras pessoas, a chatice pode se transformar.
Mas, sinceramente, até isso às vezes cansa.
Mas diz aí se esse menino num é esperto. Gostei dele.

segunda-feira, junho 12, 2006

*eueela*



ela, o tecido
eu, a linha
ela, o vestido
eu, a estampa
ela, a flor
eu, a pétala
ela, o caderno
eu, o arame
ela, a preguiça
eu, a cama
ela, a meiguice
eu, a energia
ela, a calma
eu, a eletricidade
ela, o charme
eu, a simpatia
ela, a delicadeza
eu, a gentileza
ela, o sorriso
eu, os dentes
ela, a palavra
eu, a letra
ela, o móvel
eu, o verniz
ela, o coração
eu, o cérebro
ela, o cérebro
eu, o coração
ela....
eu....
eu....
ela....
assim a gente se completa.