domingo, novembro 08, 2009

Sobras de Arte



Para quedas, um bom salto e um buraco no meio do asfalto


Para-quedas: um bom salto não faz um buraco no meio do asfalto.

terça-feira, outubro 13, 2009

Bodas de Crisoprásio


Me acostumei aos insultos e às ofensas. Sempre foi capaz de demonstrar uma docilidade tímida, camuflada num jeito desajeitado de frieza quase interiorana. Mas também soube como poucos inflamar o demônio da discórdia com insultos dos mais diversos. Na quase totalidade mentirosos, teatrais, mas ditos com tanta veemência, que eu até me convencia de que era aquilo tudo. Ao mesmo tempo em que os anos de convivência nos demonstravam que éramos íntimos, não éramos amigos. Muito menos amantes. Sou a prova viva de que dividir a mesma cama nos dá, de certeza, a mesma cama, apenas. Não a mesma noite. Compartilhamos hábitos, rotina e contas. Não vida. Nem nosso filho é igualmente nosso, pois sei que ele é mais meu. Devo amar,mas daquele amor que se sente por respeito. É amor, mas é menor. Do tipo que se esquece, que se acostuma sem. Sempre me questiono porque continuo assim, porque me permito permanecer. Covardia é minha primeira desculpa. Medo, a segunda. Acomodação, a terceira. E, na fraqueza inerente a quem só é forte da porta pra fora, me pego refletindo sobre o quanto de motivos ocultos devem existir sob minhas suposições. E, antes que eu chegue nelas, que poderiam tanto enternecer meus sentimentos, lá vem mais uma saraivada de humilhações e nomes que nunca ousei ser. Me mata de ódio na hora, e de vergonha, me cala, me prende a respiração, ante a injustiça das palavras. Mas tudo se dilui em lembrança triste, e não se materializa em ação. Cada ofensa é ataque e prisão, como se eu afundasse nos castigos sufocantes. Deve haver alguma coisa com que eu possa me tirar daqui. É escroto demais depender da mão de alguém, por não ter sequer aprendido a usar as minhas próprias. Mas, na dúvida, vou deixar minha mão cansada do lado de fora desse poço.

domingo, outubro 11, 2009

No Castigliani

A
última
vez
em
que
te
vi
foi
a
primeira
que
desejei
não
ser
pra
sempre.

sexta-feira, setembro 25, 2009

Maria Eduarda


Maroca nunca gostou das fitinhas na sua cabeça, do seu vestido rosa, dos seus sapatinhos comportados. Sua mãe queria que ela quisesse querer ir pro balé, pras lojas de roupa, pra casa das tias brincar com as primas. E ela ia, sem querer. Fingia uma introspecção para não denunciar sua tristeza. Passavam-se os anos, Maroca seguia com muitas fortes cores, poucas palavras e nos passos da mãe. Perdia horas entre os cheiros de cabelo queimado do salão de beleza, dentro da personagem tímida que aprendera a encenar. Todos os seus horários lhe eram determinados, nunca discutidos. À mesa, tudo o que mais odiava. No quarto, pufes, almofadões, cortinas, babados, espelhos, tudo meigo. O pai, sempre ausente, a tinha apenas como uma boneca exposta na estante do quarto, a princesinha do papai, linda e perfeita. Um anjo domado.

Dia desses Maroca foi ao shopping com as amigas arranjadas. Na intenção de tomar um sorvete, se distanciou das demais. Perdeu-se. Nunca se soube se fugiram dela. E, percebendo-se sozinha, danou-se a andar sem rumo. Riu-se abestalhadamente, correu alegre pelos corredores, olhar louco sem rédeas, em direção à porta. Maroca saiu no sol sem protetor, descabelou-se, atirou longe a bolsa, descalçou-se, seguiu sem rumo. Seus pés finos queimavam no asfalto quente de fim de tarde, apontando em direção ao mar azul lá longe. Chegando, a fôlego e suor, na areia, pôs-se a rodar, qual bailarina sem ritmo, braços abertos ao vento, desenhando riscos de vento na praia. Quem olhava de longe, não entendia. Se alguém olhasse de perto, entenderia menos. Deixou-se cair na areia, sob o sol arroxeado que anunciava a noite, e aquietou-se, esparramada naquele momento só seu.

Maroca voltou temerosa pra casa. E, não obstante os questionamentos, os choros, as discussões, as acusações, a polícia e o castigo, ela estava satisfeita, sonhando com a dose de liberdade experimentada. E planejando ousar novas experiências. Quem sabe escaparia para a livraria da esquina algum dia. De volta às grades, Maroca, agarrada aos limites de sua janela, planejava usar até o próprio nome. No primeiro descuido, Maria Eduarda fugiria em direção ao seu mundo.

Desarrumando


Comecei a roer as unhas, a comer hamburguer de madrugada, a desleixar os cabelos, a não fazer a barba. Nem murchar a barriga murcho mais. Descontentei indefinidamente. Ser alguém nessa vida requer uma constante e neurótica arrumação. Não se pode descuidar de nada. Da alimentação balanceada às leituras obrigatórias. Da atenção aos amigos à boa conduta de horários. Das boas maneiras à solidariedade. Dá trabalho demais ser correto. Simplesmente porque lá fora o certo se confunde com o perfeito. Enche o saco esforçar-se para conquistar o básico, não ser reconhecido por seus passos, e ser criticado pelos resultados. Pensando nisso, não aguo mais as plantas. Elas que sofram de sede, pois só servem para manter a aparência normalizada dessa casa . Quero uma casa de concreto, sem memória, sem verdes, sem vassouras, com rastros e restos de gente. Sem personalidade. Vou aproveitar e rasgar as cortinas, deixar o sol queimar a madeira das mesas, a chuva adentrar no estofado. Eu quero mofo. Peço demissão, vendo o carro, liberto os cachorros e disputo com eles a comida, aprendo a fumar, jogo fora tudo que for de roupa alinhada. Vou tatuar dois pulmões negros nas costas como meta. E nunca mais hei de comprar um iogurte sequer. Nessa geladeira só me entra cerveja e conservante. Qualquer dia vou chamar uns colegas, fingir que somos amigos e no melhor da festa, expulso todos, só pra vê-los admirados com minha astúcia. Vou me dessocializar. Rasgo os documentos meus, os da casa, quem sabe dela alguém me expulse, se eu não botar fogo nela antes. Talvez aí, com tanto perdido, eu passe a querer ganhar. Porque realmente cansa viver direito. Prometo viver errado enquanto puder.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Saia













Sombra dançando entre as mesas
saia girando no vento do cais
sandálias pintando o cinza do asfalto
colares de contas pendendo pra trás

Beleza modesta pra editoriais
embora o encanto fosse exuberante
flutuando entre os olhos hipnotizados
daqueles que vinham mais adiante

Toda festa só graça
sorriso que nem precisava de cor
nas pernas pintadas com tintas diversas
os códigos escritos do muito que amou

Mãos no compasso do ritmo pesado
que toca na esquina, no passo de alguém
molejo nervoso e cadenciado
seguro das voltas, mil voltas que vêm

Mas leva tristezas pra lá de escondidas
na viva pintura das estampas coloridas
E só quem mais tarde a vê despida
Percebe o quanto ardem suas feridas.




quinta-feira, setembro 17, 2009

Contato



Não me toque

Se toque

Toque-se

Gaste










Não tenho medo de gostar

do que não gosto


Tenho medo é de não gostar

do que não senti o gosto


Dá um desgosto

só de pensar.

ô dor














Esse ar
que te chega,

fio de ar

filete de sopro
qualquer

Traz um tico
fraco
de tudo

Quase nada
Apenas um vento
passageiro


Sem nenhuma
idéia

do que vem a ser
cheiro.

O som






Se qualquer dia
eu fosse dizer
tudo que escuto
diria errado metade do que é
e outra metade inventaria

Por isso tudo está.
Sem eco, sem nota, sem tom, sem som.
Em silêncio quase tudo.
Surdo.

Tanta displicência










Eu não vi.

Não sei se pelos olhos turvos
ou pela vista cansada

A verdade é que eu nunca vejo quase nada.

sábado, setembro 12, 2009

Interroga-ção




Quanta idade !! Quantidade. Qual idade, Qualidade ??


terça-feira, junho 09, 2009

A gente nunca sabe


Quando eu acordo, um espirro já denuncia que nesse dia está por vir à ativa um cara cheio de rinite. E, como se já não bastasse, pôr desculpa em qualquer detalhe pra não ter que andar na praia demonstra com exatidão que não sou bom de promessa. Se tá chovendo, não posso me molhar. Se faz sol, tá quente demais. Se nublado, bem...aí não olho pra janela. Sem mesmo perceber, vem um Loro José aqui, vai uma Ana Hickman ali, um livro acolá, quando, maldito relógio, chegou a hora do banho e (oba!!) de trabalhar. O Jardim Piedade já deve estar passando e eu ainda procurando a toalha. Saio atrasado, fones de ouvido balançando pela rua, enquanto vou guardando chave, limpando água da testa, amaldiçoando o sol, e lembrando que - mais uma vez - não almocei...Escuto qualquer coisa muito alta, pra não ter que ouvir o conversê dos colegas passageiros. Não que eu não os suporte, mas sim que eu enjoei do mesmo clima de 'não-te-conheço-por-isso-tenho-o-direito-de-te-olhar-assim-estranho' de ônibus. Por isso, fecho os olhos, visualizo Radiohead tocando em algum palco que ainda não fui e nunca hei de ir (proteção anti-frustração) e sigo meu caminho, suando nas costas. E cochilo. Chegando no maravilhoso bairro de São José (logo sinto o cheiro do Camelódromo), passo a tarde inteira entre o computador, pastas (e mais uns espirros), biscoitos recheados, pipocas salgadas, ordens de pagamento, canetas falhando, entre outros afazeres. Às 17, sigo a galope para a parada mais próxima, correndo, não apenas atrás do ôninus, que já segue sem mim, mas também da vida desejada, que insiste em demorar a chegar. Após engarrafamentos vários e muitos minutos perdidos, a recepção de latidos avisa: cheguei a minha casa. Enrolo um pouco, faço hora, pra variar, às vezes tomo banho, às vezes deixo pra mais tarde; como, faminto, mas preguiçosamente, o que tiver (e o que tem geralmente é nem tanto), sem muito preparo, apenas pra enganar o estômago. Corro pro computador. Nada de mais, nada de interessante, o desgosto se abate, a mesa de estudo está logo ali, de braços de plástico abertos, me chamando, clamando pela minha responsabilidade... Os livros estão do mesmo jeito que deixei, abertos, riscados, grifados, pedindo a mim por mais riscos, mais grifos. Quase sempre eu vou. Quando não, sucumbo ao orkut, ao msn, ao blog de fulano de tal, à internet, pegajosa como ela, doentia como ela...deliciosa como ela. Seja instruído, seja perdido, só sei que a noite passa. E, às vezes, o sono chega. Se ainda não tomei banho, corro pra cumprir o asseio, empinando mais um nariz de papagaio congestionado. Muriçocas zumbindo, irritadas com o Repelex que acabei de passar...E durmo fácil, para, quem sabe, sonhar com uma rotina diferente para o dia seguinte. Quando acordar, talvez seja tudo igualzinho. Mas a gente nunca sabe se o espirro do dia seguinte trará um dia diferente.

sábado, junho 06, 2009

Nada de mais

Parou

Não vinha ninguém

Pôs o pé na pista

e passou o trem




sexta-feira, abril 03, 2009

Pelo escuro dos olhos teus




Quando a sombra dos olhos meus
e a escuridão dos olhos teus
resolvem se encontrar,
ai, que ruim que isso é,
meu Deus,
que angústia que me dá
o assombro desse par.

E, se a sombra dos olhos meus
reside na escuridão dos seus
só pra me assustar,
meu amor, juro por Deus,
me sinto congelar.

Meu amor, juro por Deus,
que a sombra dos olhos meus já não pode durar.
Quero a sombra dos olhos meus
longe do escuro que seu olho dá.

Pela escuridão dos olhos teus,
eu acho, meu amor,
e só se pode achar,
que a sombra dos olhos meus
precisa acabar.

sexta-feira, março 27, 2009

A volta


A liberdade de quando dizer deve acompanhar quem escreve. A obrigatoriedade de escrever torna a atividade mecânica e sem gosto. Já a irregularidade da inspiração torna a escrita um exercício de consciência, de vontade e de espontaneidade. Nada contra os cronistas de jornal ou os escritores com prazo de editora. Estes são, sobretudo, profissionais da palavra, e encontraram na produção delas o seu ofício. Seu trabalho requer prazo.

Entretanto, um blogueiro nada mais é do que um informal, pactuado em compromisso ou não com sua platéia. O ato de postar para ele é um diálogo, uma puxada de conversa, uma cutucada. O seu silêncio, por outro lado, é seu descanso, sua ausência e seu tempo.

Receio que há entre mim e esta página em branco uma simpatia imensa, porém, capaz de, por vezes, ceder passagem ao receio de preenchê-la de palavras forçosas. E é este sentimento que me faz criar esses espaços vazios, essas pausas e hiatos por 'tempo indeterminado'. Talvez seja meu próprio senso de expressão limitado teimando em não se pronunciar.Talvez seja uma mera falta de assunto.

Mas é esse período ausente o que me permite dizer que cada palavra aqui é sinônimo de vontade. E se ela aqui está, não é por rotina, obrigação ou programação. Ela vem desprogamada, sentida, desejada e despojada.

Está aberta a nova temporada de intenção.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Meus predicados






É tudo
culpa
desse sujeito

que não consegue
completar as ações

sugeridas por seus
verbos mais

transitivos.





quinta-feira, janeiro 01, 2009

2009


Não é um ano novo.

É tudo de novo.