segunda-feira, dezembro 31, 2007

Feliz Dia novo


Chuva de espuma embaçando os fogos artificiais.

Como o abraço que te deram minutos atrás.

O vinho vermelho mancha o seu vestido branco

escorrendo pelo colo e pelo chão.

Vomita o que de ruim passou

enquanto o dia não amanhece.

Porque um novo ano chega

e tudo que fica

é uma rotina

que permanece.

sexta-feira, dezembro 28, 2007

Carta a Inácio






Recife, 13 de março de 1987.







Inácio,



sabe a emoção de realizar algo que julgava já perdido? Como deve ser o sentimento de um segundo lugar fadado à medalha de prata que encontra num último momento o fôlego para chegar ao ouro. É esse o meu estado de espírito no momento.

Contudo, se acha que um alívio me acompanha, engana-se. Carrego nestas letras o regozijo do orgulho de vê-lo tentar se redimir. Não que me admire a sua atitude, pois se arrepender com atraso de décadas é facílimo, mas que, nesse jogo destrutivo chamado vida, enfim me sinto campeã em relação a você. Não ganho nada com isto, porém a sua redenção, embora tardia, me liberta. Ela me desata dos grilhões que você deixou ao partir.

Saiba, Inácio, que você levou consigo parte de mim. E esta parte, que tanto me fez falta, não me foi recuperada com o tempo. Além de me tirar o chão naquela época, você me roubou a capacidade de acreditar numa nova chance de ser feliz. Tive seqüestrada por você a confiança de que precisava para recomeçar minha vida. Menos me dói perceber que você foi covarde comigo. Afinal, assuntos do meu coração não dependem apenas da intensidade de sentimento, mas também de valores os quais você nunca sequer demonstrou: coragem e honestidade.

O que realmente me afligiu à época, e sedimentou-se ao longo dos anos, foi sua fuga de responsabilidade para com seus filhos. A mim você não deve perdão. A mim vôcê não deve respeito. Afinal, estes já foram sacrificados tempos atrás, quando a porta agora à minha frente fechou-se ante suas costas para sempre. Porém, os laços com seus filhos, voluntariamente rompidos por sua própria iniciativa, cruelmente formam cicatrizes invisíveis, que sangram sempre que as memórias aparecem. Estes laços, Inácio, não afirmo serem irrecuperáveis, mas prezo que, para serem refeitos, tenha a magnitude da justiça frente à crueldade com a qual foram cortados.

Respondo-te com a aflição de uma mãe que teme as portas reabertas. Sei que hoje meus filhos não mais são crianças, e que do alto da maturidade, seriam capazes de absorver o seu inesperado pronunciamento. Contudo, após refletir bastante sobre o tema, resolvi por enquanto nao revelar-lhes as novidades.

Note nossas diferenças: enquanto em sua carta você tratou de seus filhos como um ponto obrigatório, trago-os como o meu assunto principal. Pois acompanhei de perto os desdobramentos de sua ausência nos meus ultra-esforços de duplicação. Logo, é basicamente nisso que penso: menos em mim, mais neles. Já desisti há anos de tentar entender suas atitudes desmedidas, e agora tampouco o farei. Menos ainda tecerei razões pelas quais acredito não haver mais motivos para te conceder perdão. Apenas posso eleger como motivo principal o fato do poderoso tempo ser capaz de sedimentar as mais terríveis tragédias. E este me fez perceber que o que anteriormente se apresentou a mim como uma lástima, hoje representa um dos maiores fatores para o meu engrandecimento. Assim, tenho mais orgulho de mim agora do que jamais tive no passado.

A fim de te informar, saiba que também reconstruí a minha vida a muito esforço, haja vista as resistências que passei a cultivar quando do seu abandono. Hoje sou viúva de um grande homem, que além de ter se dado como presente a mim durante nossos anos juntos, me deu mais dois filhos.

Hoje, eu e minhas quatro prendas seguimos juntos e felizes dentro de nossas possibilidades. Pena que dois deles não tenham tantos motivos para admirar suas origens paternas, mas adotaram com muito carinho o pai suplente que a vida por uma graça lhes concedeu. E, hoje, conseguem exercer tal função, a paternidade, através de um bom exemplo.


Desejo-lhe paz e saúde,


e com o tremor em cada linha, tambem desejo distância


de você.


Rosana Aguiar de Fonseca.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Pausa para a ceia


Chegue atrasado, até meio sem jeito
cumprimente a todos, embora durante o ano não tenha feito
mas leve o presente do amigo secreto
aquela camisa listrada de número incerto
pro tio que está tão longe, de tão perto


Encene alegria e felicidade estampada
como se a harmonia estivesse sempre de pé
engrene logo uma conversa que floreie o tédio
tome nos intervalos dos papos aquele remédio
que te ajude a suportar a dor de um sorriso qualquer


Coma pouco, e bem rápido, pra adiantar a despedida
Não há saída, elogie todo o menu, do porco ao peru
E ainda com comida na boca, se despeça
Dizendo-se cansado por ter trabalhado até tarde
e, sem alarde, busque a primeira resposta
que te leve ao seu mundo quieto, correto e banal
Lembrando sempre que, apesar de tudo, como diz na loja,


é Natal.


(desarme o presépio e abra alas ao carnaval)


sexta-feira, dezembro 21, 2007

Carta a Rosana


Porto Alegre, 22 de dezembro de 1986.


Cara Rosana,


eis-me aqui após tanto tempo, sei nem por que razão. Se ao menos tu tiveres aberto por curiosidade a carta, já me quedo por satisfeito. E, se além disso, tiveres coragem de ler estas palavras, saiba que é através delas que venho te pedir perdão.

Perdão de um homem envergonhado de seu passado. Um homem que abandonou seu lar e seus queridos e fugiu de suas responsabilidades, impulsionado pelo ato egoísta e pueril de buscar sua liberdade além dos limites de onde poderia ser feliz.

Há 40 anos não nos falamos, Rosana, mas saiba que durante todo este tempo, não importando a variedade de experiências que colhi longe de ti, em momento algum esqueci-me do quanto havia falhado. E se a vergonha pelo abandono covardemente me impedia de te olhar novamente nos olhos, ao mesmo tempo a insanidade de seguir adiante me impulsionava neste sonho fingido.

Um sonho fingido que me trouxe outra família, a qual amo incomensuravelmente. Nesta busca, descobri uma nova função, pondo em prática todas as minhas habilidades como artesão, o que me proporcionou a dignidade necessária de manter minha atual família. Mas isso tudo, Rosana, nunca me fez esquecer da família que abandonei. Mesmo porque, o abandono de outrora foi necessário para que esta existisse. E quando me vejo nos álbuns de família, ainda me imagino segurando outro carrinho de bebê. Vejo-me ao teu lado, em nosso simples casamento. Vejo, nessa época de Natal, ajudando a montar outra árvore, noutro lugar. E não posso controlar as lágrimas, diante de tal aflição.

Diante de tanto sofrimento, que, enfim, decidi tentar traduzir nestas letras, rogo-lhe toda tua compaixão, que sempre lhe foi tão inerente. Aprendi ao longo do caminho que a felicidade é um misto de compatibilidade, sorte e oportunidade. Juntos, tivemos pouco de tudo isso. Mas separados, eu tive ainda menos. Minha companhia todos esses anos, além de todos os ingredientes que me proporcionaram a lucidez de, após tanto tempo, lançar-lhe tal redenção, sempre foi a do remorso. Todas as minhas ações traziam no verso as lembranças de meu passado. E teu rosto nele sempre esteve estampado, Rosana. Não me acusando, mas me lembrando dolorasamente de meus erros injustificáveis.

Desta forma, despeço-me, sem em nenhum momento propor-lhe tregüas e chances para que possamos reviver infelicidades. Venho, sinceramente, como um de meus últimos atos nesta vida, enfim claramente render-me à sua hombridade e fortaleza, por ter, ainda em tenra idade, suportado uma vida inteira as dificuldades de ter sido abandonada pelo marido, e, conseqüentemente, ver-se sozinha com dois filhos para criar.

Quanto às crianças, que hoje devem ser grandes pessoas, sempre guardei no peito lembranças carinhosas. São filhos dos quais abdiquei. E se há maior vergonha que um ser humano um dia possa ter antes de deixar este plano, é justamente esta, Rosana. Apesar de pela vida ter acertado em muitos pontos, errei seriamente numa parte essencial dela. E este erro, se não me foi cobrado em vida, deverá certamente me perseguir por todo o sempre.

Portanto, Rosana, perdoe este velho, que não lhe pede nada, além de uma demorada, porém única oportunidade de ter, no mínimo, como lidos seus desabafos.

Espero que eu tenha acertado no endereço.

Um beijo afetuoso daquele que um dia negou-lhe afeto,

mas, hoje, humildemente, vem oferecer seu mais sincero pedido de perdão,


Amaro Inácio de Pontes

terça-feira, dezembro 18, 2007

Breve Particular


Um dia esses fios que a gente arrasta por onde passa se encontrarão e se unirão num nó tão apertado que nossos silêncios trancafiados em todos os traumas serão obrigados a se explicar. Será o dia em que minha barreira emparelhará com a sua, e ambas, encostadas, formarão um obstáculo intransponivel, de onde apenas sairemos após removermos todos os tijolos. E, do nublado desse desentendimento tácito, talvez se faça um laço, diferente do nó traçado pelo acaso. Laço que a gente molda, bonito, escolhido, e só solta quando pedido por um dos dois. E, depois, será o meu com o teu compromisso os improvisos que poderemos encenar. Sejam cenas de um drama, sejam de um romance, o importante mesmo é que se lance, neste instante, o roteiro ainda inacabado, mal-adaptado, de uma história de amor ou de humor a se desenrolar.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Via dupla


Dizem que amor é via dupla
Que ele não tem culpa
Que se sabe quando ele chega
Mesmo que não haja entrega

Que se sente coisas engraçadas
Vontades impensadas
Ficar perto, dependência
Vício da presença.

Pode ser, até parece
que ele seja tudo isso
Mas será que ele permanece
Com o compromisso?

Dizem que o amor é pura culpa
Que ele é fruto de uma dupla
que não sabe quando se entrega
mesmo quando chega
Que as vontades impensadas
passam a não ser engraçadas
quando o vício da presença
gera dependência

Pode ser, até parece
que é mesmo assim complicado
Dizem que o amor enlouquece
em demasiado

Já que dizem, diga-me agora
E quem sente tudo isso só?
Será que já não é hora
de procurar algo melhor?

Pode ser, até parece
que tudo tenha esse contorno
mas será que há mesmo amor


sem retorno?


domingo, dezembro 09, 2007

Sobre a fragilidade


Ele não conseguia dizer a ela o que sentia, como se a relação dos dois houvesse sido acometida de um excesso de racionalidade. Tudo era pensado demais, e pouco se via dos dois que não fossem conversas de pessoas que se gostam, apenas. Está certo que, para ser coerente com o já dito, nenhum dos dois tinha mesmo certeza do que um cultivava genuinamente pelo outro. Era tudo suposição. Era tudo jogo de pensamentos trocados, numa espécie de transmissão de aparência. Num dia, ele superinterpretava o que ela dizia; ela, por outro lado, menosprezava algum detalhe que na mente dele era o ponto mais importante. No dia seguinte, os papéis se invertiam. E assim continuavam na construção de uma relação entre pessoas que se gostam, mas que param por ai, por culpa da completa inércia que os dominava. Ambos não eram assim com outras pessoas; até que eram acostumados a explicitar mais cristalinamente suas emoções. Mas quando era para um a demonstração do outro, tudo se revestia de uma dose cavalar de complicação. Havia entre os dois termos tacitamente proibidos. A cada momento acresciam limites e redomas de proteção, com os quais um não pretendia confundir o outro, mas se preservar dele. Um tinha medo de tentar; o outro, medo de conseguir. Ambos eram desacelerados pela cautela exarcebada, como numa espécie de medo de machucar. Talvez um, pelo trauma da rejeição; o outro, pelo trauma da entrega. Na verdade, ambos são dois apaixonados que amam, mas não sabem o quê. Ou simplesmente não descobriram que amam errado coisas erradas. Mas vivem procurando no outro desculpas e tateamentos para sanar dúvidas, evocando cada vez mais certezas de que aquelas ainda existem. E sempre irão assistir a uma história indefinida, enquanto o implícito, ao invés de um toque de sugestão, der o compasso desse história. No final, quando tudo o que antes era névoa for enfim revelado, talvez ele não veja nela a perfeição amalucada que tanto admira. E talvez ela encontre nele o porto seguro que tanto esperava. Ou o contrário.Talvez ele perceba que esteve certo o tempo todo quanto a seu alvo de admiração. E ela descubra que ele é realmente um querido amigo como imaginara. Muitos "talvez" nisso tudo. E esse, certamente, é o principal problema entre os dois. Quando ambos se permitirem dizer, sem rodeios, suas verdades para o outro, o saldo final seja uma relação, se não mais feliz, ao menos mais corajosa. E, quiçá, mais libertadora. Menos frágil, pois.

sexta-feira, novembro 30, 2007

As chaves


- Levante-se.
- Não ouse me dar ordens!!
- Então fique aí, se quiser.
-Mas, espere!! Garçom, a conta está mesmo paga?
- Sim, senhorita, está!
- Mas, que absurdo!!! Eu exijo pagar minha própria conta!!
- Perdão, senhorita, mas não poderia imaginar que não aceitaria a cordialidade...
- Cordialidade...Ele me paga ainda! Ei, mocinho, não saia, ainda quero falar com você!! Eeei...!!! Droga, droga!!! Maldito seja!!!
- Psiu...
- O que está fazendo aí?
- Vendo você em desespero...
- Desespero uma ova!! Quero tirar a limpo essa história!!!
- Percebi pelos suspiros do receio de não mais me ver...
- Eram do receio de não poder me vingar, isso sim!
- Não continue com essa auto-tortura. Ambos sabemos que já temos um link.
- Link?? Você é comediante, só pode ser...
- Eu posso ser o que você quiser...
- Então aproveitando seu bom humor forjado, vamos ao seguinte. A partir do momento em que eu retirar as chaves da minha bolsa, eu vou virar-lhe as costas e nunca mais vê-lo onde quer que seja...!!
- Posso me matar agora?
- Era o que sua mãe deveria ter feito ao primeiro choro! E deixe de gracinhas. Espero que tenha entendido muito bem!!
- Não acredito que vai abrir mão de um futuro de tanta felicidade...
- Isso é o que diz você. Você não deveria estar sequer no meu presente.
- Tudo bem, tudo bem. Cheguemos a um consenso. Talvez o fato de ter sido seguida a tenha assustado. Talvez o fato de que eu seja tão seguro também a amedronte. Mas covenhamos que nós nos completamos de certa forma.
- Não sei o que o faz pensar dessa maneira...
- Veja bem...Desconhecidos, bonitos, desempedidos, de mesmo carro, trocam olhares afetuosos durante o sinal vermelho. Parecem se gostar, o que os leva aos sorrisos. Por que tudo isso mudaria, apenas porque resolvi materializar toda a carga subjetiva que nos uniu?
- Você não vai me enrolar...
- Não estou enrolando. Agora estou falando sério. Sou um homem sério.
- Estou vendo. Mesmo assim, então tudo bem. Já que demonstrou resquício de humildade no seu discurso, deixemos tudo como está. Adeus, então.
- Espere. Está cedo ainda. Que tal irmos a outro lugar e fingir que nunca nos vimos antes?
- Impossível.
- E se você não encontrar suas chaves na bolsa?
- Por que não encontraria?
- Não sei, às vezes as pessoas perdem.
- E às vezes outras pessoas roubam. O que fez com minhas chaves?
- Nada, nada, foi apenas uma sugestão inocente...
- Nada inocente, você é diabólico...O que fez com minhas chaves?? Devolva agora!! Não as estou encontrando!!!
- Pelo jeito tem gente que vai ter que pedir carona...
- Onde estão minhas chaves ?? Diga logo!!!
- Não tenho nada ver com isso, mas se quiser, as minhas estão bem aqui... Podemos providenciar novas...
- Nada disso, não quero mais saber de você na minha vida!!! Me deixe em paz!! Você está quase me deixando louca, com esse seu cerco!!
- Senhorita, ainda bem que ainda está aqui! Suponho que estas chaves devem ser suas...Estavam próximas à sua mesa...
- Hã? ... Ah, obrigada, garçom, obrigada, são mesmo minhas...Desculpe, já estava entrando em desespero...
- Viu o que eu disse?
- Está bem, pode tripudiar de mim agora!!!
- Viu o que eu disse?
- Viu o quê?
- Você agora me deve desculpas...
- Desculpe-me. Mas que isso não o encoraje demais...
- Como pagamento você poderia me dar uma chance...
- Você não desiste mesmo, não é? Eu lhe dou 30 minutos...!!
- Para onde vamos, mademoiselle?
- Não sei, lugar com muito movimento, por favor. Não confio quase nada em você ainda.
- Ah, muito normal.. Relacionamentos duradouros se fazem com construção eterna de confiança...
- Você tem resposta pra tudo.
- E você tem uma questão pra tudo.
- Você não tem nada mesmo a ver com o sumiço de minhas chaves, não é?
- Como poderia? Não estavam na sua bolsa?
- Tudo bem, tudo bem...mas foi coincidência você citá-las.
- Tudo bem, tudo bem... Confesso que as vi caídas ao chão.
- E nada me disse??? Você é mesmo um crápula!!
- Mas é claro que avisei ao garçom ao sair..
- E se ele agisse de má-fé?
- Porque acha que montei sentinela esperando você?
- Para exibir a previsão de que eu iria seguí-lo.
- Também, também.. Mas uni o útil ao agradável.
- O agradável foi certamente a sua exibição.
- Você tem sido o mais agradável.
- E você tem sido o mais surpreendente.
- Já estamos evoluindo...
- Só não me decidi ainda qual o tipo de surpresa.
- Ainda bem que tenho 30 minutos para fazê-la tomar essa decisão.
- Utilize-os bem.
- No seu carro ou no meu?
- Cada um no seu, claro, lembra da confiança? A de passageira ainda não foi conquistada.
- Combinado. Vamos à praia, então? Calçadão, mais a frente? Muitas pessoas, não poderei sequestrá-la...
- Combinado.
- Até o próximo sinal vermelho.
- Ah, até.
- E se quiser sorrir de novo, não se reprima.
- Pode deixar. Mas serei forte e manterei a pose.
- Assim é que eu gosto.
- Assim é que eu costumo agir
- Até logo, então, posuda.
- Até logo, então, sortudo.

quarta-feira, novembro 28, 2007

O cruzamento


- Sente-se.
- Ah, que maravilha!!
- Isto foi apenas para agilizar a minha saída.
- Você não está pensando em me abandonar, está?
- De modo algum. Você terá companhia.
- Estamos começando a falar a mesma língua.
- Companhia da minha conta.
- Você sabia que quanto mais o jogo se complica, mais ele se torna atraente?
- Nada me interessa se há pessoas que nasceram para perder...
- Não cante vitória antes do tempo.
- Não mesmo. E não me considero peça desse tabuleiro.
- Isso você não pode negar. Praticamente estamos medindo forças...
- Pelo visto não concordaremos em nada.
- Discordar de tudo é a primeira atitude de quem nega identificação por capricho.
- Ou então seja uma estratégia errada para quem deseja afastamento.
- Essas coisas são relativas. Você mesmo mente para si desde que aqui cheguei.
- Tudo bem. Até onde você quer chegar com isso?
- Depende do quanto você me conquista.
- Estou fazendo todo o esforço para o contrário.
- Pelo visto está utilizando mais uma estratégia errada.
- Por que diz isso?
- Porque você me conquista a cada resposta atravessada.
- Eu gostaria mesmo era de não ter atravessado seu caminho.
- Infelizmente atravessou, há duas horas atrás.
- Como assim?
- Cruzei com você no trânsito e te sigo desde então.
- Palio metal do cruzamento da Conselheiro com Carapuceiro?
- Exatamente. Prazer em conhecer, Palio preto do cruzamento da Conselheiro com Carapuceiro...
- Que loucura!!
- Que destino, eu diria...
- Quer dizer que você me segue desde então?
- Desde que você sorriu para mim no sinal.
- E você está a me observar esse tempo todo?
- Primeiro esperei a sua companhia não chegar. Depois vim te fazer companhia.
- Péssima companhia...
- Futuro do Pretérito. Não é o que diz no presente.
- Não esbanje esse papo pedante para o meu lado. Você não tinha o direito de me seguir!
- É verdade, eu tinha o dever.
- Você se considera muito importante, não é?
- Me considero o suficiente.
- Mais do que deveria.
- Apenas quando as condições jogam comigo.
- Pois te darei uma condição. Ou você desce desse pedestal ridículo de quem infla o peito pelo disparate de seguir outros na rua, ou eu atirarei em você o que sobra em meu copo, te deixando a sós com minha despesa e sem o meu rastro.
- Enfim falamos a mesma língua!!
- Violenta??
- Decidida!
- Decido agora que você vá para o inferno!
- Só se junto com você...
- Garçom, preste atenção. A conta, e é uma ordem.
- Escute bem, garçom. Já estamos de saida.
- Eu estou de saída!!
- Que coincidência... Estou saindo também...
- Você tem problemas mentais, psicose, alguma coisa semelhante?
- Problemas, sim. Mas não dessa natureza. Não ainda.
- Você parece adorar minha irritação...
- Nada disso. Estou apenas estudando seus limites.
- Pois me escute aqui. Se você me seguir após aquela porta, eu chamo a polícia.
- Tudo bem. É você quem vai me seguir depois daquela porta...
- Isso é um absurdo!!
- Isso é uma previsão...
- Isso é uma esperança...O que está fazendo?
- Estou de saída...
- Graças a Deus...!
- Encontro você lá fora...
- Espere!! E vai me deixar só com a conta???
- Já está paga antes mesmo de conversarmos.
- ...
- Encontro com você lá fora...
- Mas..
- Levante-se.
-...



( E CONTINUA...)

segunda-feira, novembro 26, 2007

O drinque


- Posso me sentar?
- E se estivesse ocupado?
- Você me negaria.
- E se eu negar, mesmo não estando?
- Eu insistiria.
- E se eu resistisse aos seus ataques?
- Você nem os perceberia.
- É o que vocês está fazendo agora.
- De modo algum. Mal comecei a minha empreitada.
- Pois eu já terminei a minha.
- Sua resistência?
- Minha refeição.
- E você é do tipo que se vai assim que se satisfaz?
- Não. Mas sou do tipo que permanece enquanto está gostando.
- Então pelo visto iremos conversar a noite inteira.
- Humildade não é o seu forte.
- É verdade. Mas sinceridade é.
- Bem...Pedirei a conta.
- Pedirei uma chance.
- Eu passarei adiante.
- Eu ficarei para sempre.
- Em pé, para sempre.
- Que seja, se ao seu lado.
- Não inicie melodramas, por favor. Permaneça na comédia.
- Prefiro o seu suspense.
- Bem.. eu não queria cortar a sua cena, mas.. Garçom, a conta por favor!
- Garçom, mais um drinque, por favor.
- Garçom, não dê ouvidos. Para mim, a conta.
- Garçom, me dê ouvidos. Para nós, mais duas doses do que estou tomando.
- Você nem sabe se eu gosto...
- Mas sei do que eu gosto.
- Então não me inclua na próxima dose.
- Perdoe-me, mas você está em meu cardápio.
- Mas talvez seja muito caro para você.
- Você vale a dívida.
- Eu não valho o que você pode suportar, te garanto.
- Não sei o quanto você vale. Mas isso não importa.
- Você não vale nada, e isso importa.
- O valor das coisas não tem importância...
- Quando se decepciona com elas, sim.
- Basta não criar expectativas...
- E você permite?
- E você criou expectativas? Garçom, as doses, por favor.
- ...
- Para coroar o futuro brinde, e dar prosseguimento a essa agradável noite, posso, enfim, me sentar?
- Já que insiste..
- Já que você não resiste..
- Já que você é petulante...
- Já que você é irresistível...
- Sente-se.


(ESTA HISTÓRIA CONTINUA...)

sexta-feira, novembro 23, 2007

Carta pré-adolescente



Nunca quis de nada coisa alguma

Toda espera é eterna enquanto dura

Vida pensada é nenhuma

que não a ordem que se atura


Expectativa sem decepção

Impossível de achar

Nem naquela canção

Que você não soube cantar


Minha voz só no vento

Fez o eco do tremor de minha alma

Pois o aguardo dos seus alentos

Do jeito que pensas, não me acalma


Tenho a dor de te projetar em pensamento

Embora sofra por não tê-la ao peito

Tenho-na guardada, dentro

Mas por fora, nada feito.


Sei que é grave incentivar tristeza

E remoer dores, cruel demais

Mas é por sua beleza,

que meu coração corre atrás.


Difícil disfarçar, controlar qualquer fervor,

Mesmo em gente obscura como eu,

São assim, essas coisas de amor

Só não machucam aquele que disso já morreu.

terça-feira, novembro 20, 2007

Nasci para morrer


Um belo dia desses as moscas vieram bater à minha janela. Zumbiram, jogaram-se desesperadamente contra o vidro, fazendo barulhos que me acordaram das minhas profundezas. Acho que elas sentiram meu cheiro de morte. Ultimamente não tenho conseguido disfarçar minha aflições cadavéricas, minhas projeções de último suspiro. Nunca havia sido tétrico o suficiente para ser taxado de tétrico. Mas hoje pela manhã as moscas vieram salientar esse meu novo rótulo de veveno.


Abriram caminho para a minha despedida. Eu abri os olhos com a certeza de que fechá-los-ia eternamente ao final daquele dia. Estava cada vez mais próximo de meu derradeiro suspiro, de meu adeus à esta encarnação. Projetei tanto esse momento, que nunca cheguei a pensar nas hipóteses de como seria depois dele.


Do lado de cá, bem sei. Velas, choros, sofrimentos, não-amigos que se descobrem amigos, minhas qualidades na ponta das línguas lamentosas, um descarrilho de arrependimentos, palavras ditas aos ouvidos de meu corpo morto. Dois dias depois já estaria na memória. E um porta-retrato com minha foto mais apresentável me representaria friamente...


Do lado de lá, questionamentos. Mas menos curiosos do que meu grande momento. Com o meu mais querido e mastigado momento no tempo. Como deverá ser o exato momento em que meu sangue parar de circular? Deve ser algo mais ou menos parecido com a última lembrança antes do sono. Fechamos os olhos, pensamentos começam a percorrer nossa mente, falamos com nós mesmos, viajamos, viajamos e logo estamos desacordados. Talvez no momento da morte seja assim. Pelo menos a minha morte. Pois eu sei que acontecerá exatamente assim. Deitarei, despedindo-se de mim mesmo, e lá viverei meus últimos acordes. Meus olhos cansados e nervosos abrirão alas à escuridão, minha respiração ficará cada vez mais lenta, minha temperatura começará a diminuir, minhas mãos tremelicarão de ansiedade, e cada vez mais me afundarei nos meus pensamentos. Talvez meu último seja algo bem corriqueiro. Talvez eu pense no meu fone de ouvido quebrado. Ou nas moscas que me deram bom-dia mais cedo...


Mas o que interessa mesmo é deixar de pensar. Porque foi justamente essa capacidade a responsável por montar esse depressivo personagem. Essa alma cujo único objetivo de vida era deixar de ter um corpo. E meu cérebro iria concluir essa história ao fim do dia. Coração aos poucos pararia de bombear meu sangue, e lentamente me despediria da aflição de sonhar com esse momento. Não nasci para ser humano. Eu nasci para morrer.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Zoo


Há muito tempo, Gonzaga, o gorila libertino, como era conhecido em todo o zoológico, já não possuía a alegria de viver dos áureos tempo do Zoo. Já não suportava mais a convivência da vizinhança. Kate, a macaquinha levada, com os anos já nem era tão faceira. Os macacos pregos, Simão e Margarida, também já nem conversavam mais com ele, pois, sendo de gerações diferentes, só queriam saber de novas bananas transgênicas. As tão doces bananas nanicas, já desgostavam. Até seu grande brother-macaco Zeca, o chimpanzé, de uns tempos para cá, por estar velho demais, adquiriu novos hábitos introspectivos e mal saía de seu aposento, e quando o fazia, era para pedir silêncio.

Restava ao velho Gonzaga, o gorila mais libertino de todos os tempos, menos alegria ao arremeçar fezes na platéia. Suas caretas já nem o impressionavam mais, e podia jurar que também não impressionavam mais o público. Vez ou outra, Gonzaga se pegava suspirando pelos tempos passados, em que araras soltas das florestas que circundavam o Zoo vinham bicar bananas podres, e batiam aquele papo inter-classes...Foram-se os dias em que seu tratador o mimava com bananeiras de plástico, ou calças maneiras bordadas com o seu nome na traseira. Foram-se.

Agora o Zoo era um deserto de celas, nas quais seus moradores nada mais eram do que espectros do que foram um dia. As aves deveriam ter menos penas; os hipopótamos, achava até que já tinham morrido; nem o Leão dava mais os urros que vez ou outra se dava para ouvir. Camelos e lhamas já nem eram mais vistos nas cercas mais adiante. Os répteis, disseram, eram escassos, como a vegetação de hoje em dia. Mal lhe chegavam fofocas...

Haja saudades dos tempos em que o Zoo um dia era referência para os domingos daquela cidade! Não via mais crianças com bolas coloridas, como era antes. Os pedalinhos, se ainda existissem, enferrujariam por falta de uso. O cheiro fétido do lago em que eles ficavam chegava-lhe agora mais podre do que nunca. Era o esgoto do Zoo. E Gonzaga sentia-se parte desse esgoto.

Já não sentia mais vontade de comer. Já nem sequer limpavam sua sujeira. A depressão lhe tomara por completo. Os murros que antes dava no peito, eram agora nas paredes. Os urros, que antes levavam exibicionismo e saúde aos visitantes, hoje nada mais eram que muxoxos de insatisfação. Gonzaga, o gorila libertino, não via mais seu pedaço de liberdade dentro das grades que o continham. E, assim, numa noite dentro do inferno de seu 'paraíso' particular, Gonzaga se foi, com as mãos nas grades, em súplica. Com os olhos nos céus, em questionamento. Com o coraçao no chão, em tristeza. Com a alma, aos pulos, nalgum outro lugar, em felicidade. De libertino a libertado.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Coisas de lençol


- Eu só quero ver se da próxima vez você me deixará assim a ver navios...

- Você queria que fizesse o quê? Bancasse o segurança seu e de seu amigo (fazendo sinal de aspas) enquanto vocês trocavam figurinhas de como era boa a época da sorveteria de Dona Nena?

- Mas é claro. Você é meu marido e tem obrigação de me esperar!

- Minha única obrigação com você é te respeitar e te satisfazer sexualmente, Tânia, nada mais!

- Como ousa resumir nossa relação a sexo e respeito?

- E você como ousa me fazer de mero segurança de ex-namoradinho na época da Sorveteria da Dona Nena?

- Eu não te fiz nada de segurança... Eu apenas gostaria que você, como disse, respeitasse o meu momento.

- Respeito tem limite, Tânia!! Você nem me apresentou ao cabra! Nem sequer um rabo de olho em minha direção, para que eu tivesse paciência! Da próxima vez, ou você me trata como seu marido, ou eu vou te deixar esperando quantas vezes forem necessárias!!!

- Mas eu não passei nem dois minutos conversando com o Tadeu..

- Tadeu, Tadeu...porcaria de Tadeu!

- Você nunca foi de fazer essas ceninhas, não sei porque só agora..

- Não é ceninha, Tânia!!!!! Eu te deixei lá porque você, enquanto estava indo embora com seu amrido, esqueceu do mundo quando encontrou com Tadeu da época de sorveteria de DOna Nena!

-Pára de repetir "Tadeu da época da sorveteria de Dona Nena" toda hora.. O nome dele é só Tadeu!!

- Pára de falar só nesse Tadeu da sorveteria de Dona Nena, eu acho que a conversa aqui deveria se restringir a suas atitudes!

- E que tal AS SUAS atitudes???

- MInhas atitudes??? Foram as de qualquer ser humano com um pingo de 'semancol' e amor próprio, Tânia!!

- Nada disso, você demonstrou fraqueza, impulsividade e dor de corno.

- Fraqueza??? Impulsividade??? Dor de coooorno?? Essa agora é boa...

- E ainda tem mais...Eu quase que aceitava a carona do Tadeu...

- Você não ficou louca ainda não, Tânia..

- Mas eu queria te deixar louco, por ter me abandonado lá na festa!!!!!! Quebrei meu salto de 500 reais da Arezzo por sua culpa!!!! E tive que deixar o motorista do Táxi esperando lá embaixo..

- Vá logo pagar esse táxi, senão ele vai começar a desconfiar que você é mesmo uma caloteira...

- Quando eu subir, continuaremos essa conversa, mocinho.

- Se eu ainda estiver aqui, sim.

- Ouse sair deste quarto.

- Ouse mandar em mim de novo.


(Quinze minutos mais tarde. Mateus enrolado nos lençóis. Tânia se despe)


-Mateeeus, Mateeeeus.. eu não acredito que você já esteja dormindo, não..

-Huuum...

-Mateus, não me deixe mais nervosa... Desculpa...

-Huuummm...

-Da próxima vez eu te apresento...

-Huuuuuuuuummm...

-Posso entrar aí no lençol?


Mateus estende o cobertor, permitindo a passagem de Tânia.


E assim terminou mais uma discussão.

terça-feira, outubro 23, 2007

Eu sei


Hoje eu descobri algo sobre mim. Na verdade, essa frase é um exagero, pois não foi bem uma descoberta. Mas foi uma certeza de algo que eu já desconfiava há algum tempo. Nao diz respeito ao que sou ou ao que deixo de ser. Mas é sobre o que eu quero para mim no futuro.

É o seguinte: hoje ficou claro que as coisas ficam melhores quando você pratica as teorias adquiridas. Nada é mais salutar do que a sensação de ver produzido na real o que antes era imbuído da vagueza da abstração.

Hoje eu descobri que preciso ajudar o próximo. Que eu me preocupo com o bem-estar alheio, que meu negócio mesmo é contribuir socialmente. Percebi, em poucas horas, o quanto nossas diferenças explicitam na verdade o que temos de mais igual. Não vou explicar aqui qual foi a experiência que me fez reconhecer esse fato - não é de modo algum essa a intenção desse texto -, mas pretendo discorrer sobre esse importante momento em que você se olha sem miopia e sente o que realmente importa em você. É a comprovaçãode habilidades que até então você achava que tinha; é a percepção de que aquilo que era tosco e assombrado pela inexperiência é capaz de em pouco tempo brotar frondoso, pintado de novas cores, já velhas na consciência, mas originais na forma pela qual se expressam através de você.

Não sei se a atividade jurídica que tanto me enche de dúvidas ao longo desses anos de estudo sejam onde minha função nesse mundo se estabeleça confortavelmente; nem mesmo sei se através da escrita, um hábito prazeroso que me enche a alma, é o meu porto seguro da estabilidade de consciência. Mas sei, hoje eu sei, que é meu dever neste Planeta fazer dele um lugar menos sofrido de se viver.

E se esse discurso soa inexperiente, fruto de uma juventude incipiente, utópica, saiba que ele se sedimenta justamente numa maturidade estabelecida. Talvez o meu destino seja mesmo soar sempre como inocente e sonhador aos ouvidos mais impermissivos, como se eu não enxergasse as mazelas do mundo cão que se apresenta. Mas é justamente quando essas mazelas aparecem, que me percorrem os impulsos de dirimir esses males, de baixar essa febre. E não vejo outra saída que não a de estender a minha mão ao outro, seja através de minha caneta, de meu pensamento, de minha palavra ou de meu coração.

domingo, outubro 21, 2007

Eu não sei


Queria aquelas chaves de volta, pra te roubar as senhas dos cofres e acabar com a sua vida...
Mas não sei como

Queria em meu colo sua coleção de entradas de cinema, para rasgá-las com os dentes, enquanto você observasse, presa numa cadeira
Mas não sei por quê

Queria uma xícara de café quente, para derrubá-la sobre seu couro cabeludo, assim que você chegasse saltitante do cabeleireiro
Mas não consigo

Queria uma faca, ou melhor, uma tesoura, bem amolada, para enfeitar de buracos suas roupas mais caras
Mas não tenho coragem

Queria que toda vez que calçasse os sapatos, houvesse dentro um escorpião venenoso, para ferir-lhe os dedos que não mais acariciaria
Mas não sei quando

Queria que uma loucura desmedida a fizesse cair desse pedestal escroto que inventou para me coordenar, dando-lhe de presente um traumatismo e eu pudesse torturosamente lhe fazer aquelas cócegas proibidas intermináveis vezes durante o seu coma
Mas não sei quanto

Queria que tanto ódio te atingisse a nuca sempre que de longe em mim você pensasse
Mas não quero

Eu não sei várias coisas. Mas não consigo não te desejar todo mal, pois te quero tão bem...

sábado, setembro 22, 2007

O condenado


Quando ela voltar, diga que não estou.
Esconda em qualquer desculpa a minha farsa:
Fingida alegria de um sorriso de ator.
Diga que aquele que a amava ainda não voltou,
Minta que já estou noutra valsa
E não recluso nesta incurável dor.
Não gagueje, não se faça de desentendido;
Haja normalmente, como se fosse um simples recado.
Pergunte como está só por educação.
Nada de recuperação do amor perdido,
Nem melhoras de que algo bom está guardado...
Mas investigue tudo que puder daquele coração.
E lembre-se: sempre pose como alguém que nada quer!
Sabes bem como é mulher...
Se perguntar demais, desconfia;
Se nada disser, inventa história.
Decore tudo que ela falar, tim-tim por tim-tim,
Principalmente se for de mim.
Olhe seus dedos, veja aliança,
Note o pescoço, qualquer saliência.
Perceba se está arrumada, se parece querer ir-se logo.
Se anda bem vestida, perfumada
Se há alguém apressando-a para descer.
Qualquer coisa assim denunciativa de como está a viver.
Se houver alguém, te dirá, tenho certeza
Orgulhosa como ela, fará questão
De dar nome, sobrenome e profissão.
Não esqueça, meu amigo, siga todas minhas recomendações
Haja desse jeitinho, desse modo que eu te digo
São essas ações também um grande castigo!
Torço para que ela esteja bem, mas sem ninguém!
Ainda a amo como quem ainda quer voltar
Mas confesso que vê-la sofrer apenas um pouquinho
Compensará todos esses dias em que esperei pelo dia
Em que ela voltaria, assim, de mansinho,
E eu te pediria para mentir tudo isto por mim.
Não, não estou sendo bobo.
É que, amigo, quase morro...
E sei que um condenado que sobrevive a dores de amor
é mesmo assim.




sexta-feira, setembro 21, 2007

Hora do Adeus


Quando você entrou com as meias molhadas, jogou seus tênis no espelho e bolsa no vaso sobre a mesa, deixando rastros da noite turbulenta pela sala, achei que fosse sair de mim. Tive o ímpeto de abandoná-la na desgraça de sua embriaguez irresponsável, mas dei meia-volta quando a pena deu lugar à minha raiva. Prestes a bater a porta e arrancar a sua tontura da minha memória, escutei o ruído vergonhoso do seu desmanchar em vômito pelos carpetes da sala, rodeada de porta-retratos tão sorridentes... Entrei tomado por minha covardia frente à sua fraqueza, e te recolhi do chão em poças, amaldiçoando a mim mesmo por isto. Pu-la no colo, a carreguei ao banheiro e limpei seu rosto, seus cabelos. Despi-a, enquanto você cuspia palavrões, relatando traições da noite anterior. Sentei-a numa cadeira embaixo do chuveiro e com calma banhei seus vícios e sua sujeira inconseqüente. Enquanto fazia isto, via descer pelo ralo, juntamente à água escura da sua farra, o que restava da minha admiração. Lamentava não ser forte o suficiente para aturar suas sandices, suportar seus gritos cada vez mais freqüentes por liberdade. Meu amor não era maior do que isso. Não conseguia mais conciliar nosso compromisso ao seu desejo de solidão. Tudo isso passava por minha mente, enquanto te ensaboava, ao mesmo tempo em que você vomitava ainda mais. Logo depois, te sequei com calma e paciência, impedido por diversas vezes por seus golpes bêbados e nada certeiros. Vesti-a e pus na cama, tentando acalmá-la, rogando para que pegasse logo no sono. Enrolei-a em seu lençol mais confortável, alisei seus cabelos, tentei ternamente lembrar daquela mulher de vivacidade tal, que me fizera apaixonar. Quando percebi que já havia adormecido, levantei, peguei minhas chaves, abri a porta e dei um último olhar a quem não mais me permitiria dar mais chance alguma. De costas dada ao que um dia havia sido uma promessa para a vida inteira, virei-me ao ouvi-la dizer, num tom baixo, mas facilmente inteligível: “Não pense que é melhor do que eu. E eu te odeio por isso.” Nada respondi, fechei definitivamente aquela porta, com malas a tira colo e todo meu orgulho inflado no peito, mas doído no coração. Enquanto descia no elevador, chorei ao lembrar das duras e sinceras palavras que escutara. Mas ao sair daquele edifício, ao dar adeus àquela relação, sorria aliviado, não por saber que dali por diante tudo seria diferente. Eu poderia até errar novamente. Mas jamais esse erro me faria testemunhar tamanho definhamento. A partir dali, aprenderia o limite exato da hora certa de dizer adeus, sem que fosse literalmente para sempre.

quinta-feira, setembro 20, 2007

A humilhação de Antunes


Antunes acordou cedo. Ao lado, apenas o quente da cama deixado por Marta, já em seu compromisso com sais e cremes e hidratantes relaxantes no banho curador de seu devastador mau-humor matinal. Calçou suas sandálias, pôs o roupão que havia ganho de dia dos pais, bordado “Papai dos Sonhos” no bolso. Suíte ocupada, vontade enorme de urinar, desceu as escadas em busca do “pit-stop” mais próximo, o banheiro social do fim das escadas. Porta fechada. “Sou eu, pai”, resposta de Diego, seu filho mais velho.
Rogando uma praga à má sorte, enquanto aumentava copiosamente a vontade por uma privada, subiu as escadas, roçando as pernas no modo que todos fazemos para impedir um dilúvio, mãos em concha sobre seu órgão, inibindo qualquer jato involuntário. Ardência à vista ao se deparar com a porta trancada de sua doce Marilinha. Desespero em forma de suor na testa e caretas. A essa altura, batia na porta em sofrimento, rogando para que a filha abrisse a porta, a fim de aliviar sua tensão. Lá dentro, passos de um lado a outro. Não notou que eram quatro pés lá dentro a correr em outro tipo de desespero. Marília gritava que estava se trocando, não podia atender. Do lado de dentro, Marquinhos-Boladão, enrolado no lençol de infância de Marilinha, procurava suas roupas de baixo e suas calças, que se confundiam nos ursinhos de pelúcia e bonecas Barbie da garota.
Lá fora, um Antunes meio roxo, meio rosa, totalmente aflito, mãos quase dilacerando suas partes, olhava por todos os lados à procura de um vaso de plantas, vasilha de água do cachorro, qualquer coisa. Nada. Precisava agir rapidamente. Duas saídas: procurar novamente o banheiro de baixo e rogar ao filho que dividisse a privada por alguns segundos ou gritar pela piedade de Marta e atrapalhá-la. Escolheu a esposa, pois mais alguns passos descendo a escada significariam “Niagara Falls” descendo para a sala.
Voltava ao quarto pisando em ovos, deslizando pelo corredor num arrastar de dar pena, pensamentos focados em objetos sólidos. Última solução. Interromper Marta, sua difícil Marta, em seu momento mais seu. Já próximo da entrada do quarto, Marília começou a abrir a porta. “Graças, meu Deus”, pensou. Era agora ou nada. Antunes arriscou-se numa corrida fatal de volta ao quarto da filha, decidido a atropelá-la pelo caminho, se preciso. A urgência justificaria. No meio de seus metros rasos pelo corredor, viu a pontinha da cabeça de Marilinha observando pela porta até então entreaberta, numa atitude obviamente desconfiada a um observador em estado normal. Antunes mal notou a tentativa da filha de investigar a barra-limpa, decidido a passar até pela fina brecha que inexplicavelmente se mantinha. Dois segundos depois batia impetuosamente na porta trancada, dessa vez com um estampido.
Gritava, esbravejava, lágrimas copiosas faziam coro às batidas na porta, pressão total na parte de baixo dava o tom. A filha não respondia, enquanto a estranha correria e os sussurros se faziam perceber no quarto. A essa altura, havia pouquíssimo por fazer, sua cueca já pingava urina por todo o assoalho, mãos ainda em concha tentando impedir o desastre também se molhavam com o líquido quente e amarelo. Vazava por entre seus dedos, parede atingida, tapetes atingidos, vergonha atingida. Mais ainda quando apareciam ao mesmo tempo Marta coberta de espuma vinda do quarto, Diego angustiado pela escada, ambos chocados com a cena. Os gritos de Antunes, o rosto vermelho de Antunes, a raiva de Antunes explodiam junto com a pressão de sua uretra.
Abrindo a porta, Marilinha não viu alternativa senão revelar seu crime, no intuito de socorrer o pai perdido em apelos. Foi assim que Marta, Diego, Marilinha e Marquinhos-Boladão presenciaram a vergonha de Antunes. E foi desse mesmo jeito que Antunes, cuecas molhadas, pernas molhadas, mãos molhadas, preparava-se para matar aquele estranho que, junto com sua família presenciava sua humilhação. Pretendia fazê-lo engolir cada costura de sua cueca molhada e limpar cada poça de urina do assoalho com aquela língua furada.
Mas nada fez Antunes, pois Marta já o enxotava da cama, aos berros, derrubando-o no chão, enquanto ladrava pelos seus edredons, empapados por mililitros fedorentos de urina, os quais tentava freneticamente esfregar-lhes na cara, enquanto gritava loucamente: “Mijão! Mijão! Mijão!”, lembrando a Antunes como é difícil fugir da humilhação, quando ela se faz presente tanto nos sonhos quanto na vida real.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Apenas uma festa




Enfim chegara o dia. Era só suspiros. Mal podia esperar para descer a escadas, deslumbrante, cumprimentar a todos e refestelar-se em comemoração a mais um ano de vida. 21 anos de muita introspecção, é verdade, mas conformava-se com sua capacidade sobre-humana de projeção. Imaginação como aquela havia poucas em atividade, e seu sorriso deslumbrante enquanto abria a porta do quarto em direção aos holofotes faziam jus a essa capacidade.
De cima de seus sapatos fechados coloridos, baixos e confortáveis para a pista de dança que a aguardava, desfilava sua saia armada até o meio das coxas, repleta de babados sobrepostos. Mais acima exibia belos colo e busto, emoldurados por um tomara-que-caia negro e tentador. Olhos marcantes dos cílios postiços e da sombra carregada formavam, juntamente com o batom vermelho, a tela perfeita para os seus cabelos novos, cortados a navalha no estilo e no despojamento. Franja caída sobre um lado do rosto, alargador na orelha a mostra. Estava pronta. Auto-estima nos céus a saborear tal momento.
Durante o trajeto da descida da escada, sentia o calor que emanavam os olhares de admiração, sorrisos nervosos a esperavam lá embaixo, abraços apertados, perfumes e beijos estalados seguiam ao seu encalço. Desceu, cumprimentou a todos, agarrou-se a seu cuba libre e dirigiu-se à pista de dança. Levava consigo uma fila indiana de adoradores e puxa-sacos, dentre convidados por educação e bicões. Poucos eram os que desejava estarem ali de coração. Mas muitos serviam mesmo para saciar seu gosto pelo exibicionismo e ostentação de riqueza e beleza.
Dirigiu-se à mesa de som, e de lá não saiu a noite inteira. Quem se encorajasse a disputar sua atenção com o som enfrentaria várias dificuldades, dentre um grito, um pulo e outro grito da aniversariante. Sempre de copo em punho, esbaldava-se ao som de seus artistas favoritos – White Stripes, Killers, Cure, Sounds, Mars Volta, Björk. Rocks pesados, batidas eletrônicas e muito sotaque inglês numa festa arrasadora, como nunca havia-se visto naqueles quarteirões luxuosos. Seguia ensandecida pela pista, braços torneados ao alto, derramando rum pelo queixo, pelo decote. Rodava sinuosamente pelos outros dançarinos, todos decididos a dividir um momento sequer de toda aquela atenção que ela espontaneamente roubava para si. Sua saia desenhava seus movimentos, deslizando sobre bonitas coxas brilhosas, que terminavam em batatas da perna fortes e marcadoras de ritmo.
No auge da festa, já envolta pelos demônios do álcool, pulou na piscina e lá continuou seu número por um bom tempo. Ao sair, não perdeu a desenvoltura, agora ainda mais sensual com a roupa molhada colada ao corpo, exibindo curvas, sensualidade e charme aos convidados. A estas alturas, a madrugada já dava mostras de potência total, o cheiro de alucinógenos era o oxigênio do ambiente. Pisava em balas e se cobria pela fumaça. Perdeu-se de si mesma ao som de Paranoid Android e num quarto qualquer da casa era comida pelo que parecia ser o Fifth Cent. Em seguida, apagou de prazer.
Anestesiada, levantou-se uma hora depois, enquanto lá longe Freddy Mercury entoava “Somebody to Love”. Apenas de saia, descalça, desceu as escadas, desligou a aparelhagem de som, quebrou alguns copos de algumas mesas, olhou ao seu redor. Ninguém. Como sempre havia sido.
As mesas todas no mesmo lugar em que deixara, à exceção de algumas cadeiras que derrubara durante a noite. No bar, uma garrafa e meia de rum detonado, e diversos tipos de bebidas intocadas no freezer. Havia bagunça, e, apesar de parecer ter sido por várias pessoas, fora feita por apenas uma, que mais uma vez recolhia-se à sua concha protetora, presa à apatia que conquistara através do hábito cruel de viver de ilusões. Naquela noite, iria dormir no chão do salão de sua festa de aniversário. Mesmo que sobre aquele chão apenas seus pés tenham comemorado mais um ano de uma vida solitária guiada por uma mente que se acostumara a imaginar coisas demais.

domingo, setembro 16, 2007

O diário de Amélia Rosenbal


Encontrei o diário de Amélia Rosenbal jogado à calçada sul do condomínio. Na capa, uma pequena réplica do pôster do filme “Casablanca” colada detalhadamente com papel-contato denunciava, no mínimo, um gosto cinematográfico apurado. Folheei as páginas iniciais, no intuito de colher dados que identificassem com exatidão Amélia Rosenbal, para que prontamente pudesse devolver suas confissões escritas. Amélia Rosenbal estava praticamente desenhada naqueles dados iniciais, porém nenhuma informação útil que auxiliasse na comunicação com ela. Não havia endereço, email, telefone. Amélia Rosenbal tinha medo de ser perseguida. Porém, apenas com aquela página eu sabia que ela era doadora universal, tinha olhos castanhos, 1,68 m de altura, pesava 65 (-2) kg, e tinha rinite alérgica.
Amélia Rosenbal, de tanto preservar sua incolumidade ao omitir dados como endereço e telefone, perdera seus relatos pessoais, suas impressões dos acontecimentos de sua vida, seus amores, seus crimes, seus desabafos... Imagino como agora deve estar se sentindo Amélia Rosenbal, aquela cujas confidências agora pairam em totalidade em poder de um estranho. Amélia Rosenbal está nas mãos de um estranho! Eu poderia decifrá-la nesse exato momento. Tê-la-ia despida em meus braços. Todas as suas fraquezas e talentos mais escondidos... Todos descritos em manual, à minha vista.
Não obstante a aparente separação definitiva entre Amélia Rosenbal e seu eu-descrito-por-ela-mesma, num primeiro momento, muni-me de uma moral inabalável, juramentando à minha consciência que jamais leria o diário de Amélia Rosenbal. Contudo, minha honestidade irrestrita aos poucos foi cedendo espaço à curiosidade de conhecer Amélia Rosenbal. Talvez nesse momento ela estivesse à procura de si mesma, louca desvairada fuçando os lixos alheios, batendo às portas de todos os moradores, convocando assembléias gerais à procura de um possível detentor provisório de suas intimidades. Mas nada. Nem sinal do desespero de Amélia Rosenbal. Para tranqüilizar minha consciência, pus um pequeno aviso simpático no quadro geral do condomínio, o qual dizia:

“Cara Amélia Rosenbal, se deseja reencontrar a si mesma, estou de posse de seu querido diário. Bloco Q, aptº 602. Ass.:Pelópidas Assunção.”

Quanto mais rápido os dias passavam, mais minha angústia por descobrir Amélia Rosenbal, mulher capaz de se perder tão assim de si mesma, sem chance de retorno... Um mês com a relíquia de Amélia Rosenbal em minhas gavetas, sem que ela desse alarde da grande perda, me foi suficiente para iniciar meu estudo sobre a natureza desta pessoa tão relapsa. Pretendia devorar cada linha escrita por aqueles dedos, decifrar cada volta daquela letra arredondada.
Amélia Rosenbal era dois anos mais nova do que eu, e não me recordava haver alguma artista plástica em todo o condomínio. Se bem que num conjunto de edifícios tão grande quanto o que moro, o mais comum é não saber de muitas coisas da grande maioria dos moradores. Mas como a vizinhança desse tipo consegue ser mais astuta do que a vã razão que nos finca os pés ao chão, supus, entre mil fofocas diárias, saber, nem que fosse por um detalhe, da existência de uma artista plástica chamada Amélia Rosenbal, assim tão próxima de mim.
Ahhh, Amélia Rosenbal. Pobre Amélia Rosenbal... Duas vezes divorciada, quatro filhos, dois de cada casamento, artista plástica sem formação acadêmica, ofício herdado pela maravilha da genética. Angustiada como ela, já no primeiro dia do ano foi capaz de tomar 5 calmantes de uma só vez para festejar a distância dos quatro filhos, os quais havia deixado todos de uma só vez aos cuidados dos pais respectivos. Amanda Rosenbal havia aprontado todas naquelas férias! Foi um janeiro regado a saídas diárias com suas amigas solteiras, visitas furtivas às casadas e casos amorosos com vários rapazes da academia de ginástica. Folhas e folhas relatando o resgate da capacidade de gozar novamente, perdida entre meses de preocupações com educação dos filhos e afazeres domésticos.
Criativamente falando, tratou-se de um mês extremamente produtivo para Amélia Rosenbal, que, dentre uma noitada e outra, encontrava estímulo e inspiração para estátuas de argila em formas de homens nus, quadros erótico-surrealistas e poesias sexualmente explícitas. Assim ela descrevia suas obras. Contudo, fevereiro, juntamente com o final das férias, anunciava o retorno das crianças, e era facilmente identificável o inferno astral de Amélia Rosenbal. No carnaval, limitou-se a assistir apenas o resultado do desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro. ‘Nem as porras dos desfiles!!!’, assim escreveu em 18 de fevereiro.
E com esse rancor, essa saudade de um janeiro fogoso e libertário, foram os meses seguintes de Amélia Rosenbal. Em sua quase totalidade, seus relatos eram lamúrias de uma vida repleta de afazeres, de bloqueios criativos causados pelo excesso de responsabilidades e desejos ilusórios de abandonar todos com ‘o primeiro surfista sub-20 que encontrasse em Maracaípe’. Isso tudo até o fatídico dia 07 de abril. Dali em diante, páginas em branco... O que teria acontecido neste dia? Que diabos de desleixo teria se acometido Amélia Rosenbal, para deixar-se perder dessa maneira?
Já havia descartado a hipótese acalentadora de ser Amélia Rosenbal minha vizinha de condomínio... Nesta altura do campeonato, já desistira de encontrar minha amiga Amélia Rosenbal. Uma mulher admiravelmente lutadora, esforçada, tão carente de afeição... Eu, aqui, também divorciado, pensão alimentícia nas costas, com uma mulher deste porte e com tal necessidade de se completar, assim como eu...Ela estava nas minhas mãos, mas em forma de palavras sofridas...
Aos poucos, a aura perturbadora de Amélia Rosenbal foi se desmistificando de minha insanidade. Paulatinamente, minha rotina foi ocupando o lugar dos pensamentos que se iniciavam com o diário e terminavam num desejo dilacerado de encontrar Amélia Rosenbal.
Certo dia, quando Amélia Rosenbal havia se tornado apenas uma quase esquecida personagem de livro de cabeceira ofuscada pela minha necessidade de viver, deparei-me com uma manchete sensacionalista de jornal, que dizia exatamente assim: “Mulher se atira de empresarial no Pina”. Ao, despretensiosamente, ler o texto, o choque: era Amélia Rosenbal, dizia a reportagem!! Pobrezinha... Não resistira à dor de uma vida de via única, de desejos amputados e submissões infinitas... Não conseguira encontrar estímulos para viver, pobre Amélia Rosenbal...Não conseguira prolongar pelo resto do ano as fulguras de um janeiro feliz.
Já, eu, aqui na minha surpresa embasbacada, coração acelerado, e arrependimento por não ter evitado o triste fim de Amélia Rosenbal, choco-me ante à percepção de que a angústia nos leva mesmo a atitudes imedidas. Conheci tanto e tão bem Amélia Rosenbal por parte de sua vida, que declarei luto por semanas em respeito àquela que nunca me serviria de amor perdido, mas me serviria como um exemplo de felicidade a se encontrar. E sempre que as forças me faltarem nessa caminhada, terei sempre o diário de minha querida Amélia Rosenbal, a representar a mulher que nunca tive, e tanto tenho por alguns bons momentos de leitura, vez em quando.

segunda-feira, agosto 27, 2007

A revolta dos dezoito


Tudo que eles dizem ser permitido fazer é apenas o que eles querem que eu faça. Minhas possibilidades revestem-se sempre pela poderosa aura do dever social ou pelo que é socialmente considerado um comportamento médio. O que mais quero é o desconforto. E não me importa se sou pega com o dedo no glacê do bolo. Não temo a punição! Cheguei a este ponto através de tantos desejos sufocados no lamaçal coordenador dos dogmas comportamentais. Como porcos catequizadores que são, os criadores dos paradigmas “decentes” desta sociedade hipócrita fodem com as próprias leis que eles criam...Andam com seus códigos morais sob suas axilas e pensam na filha adolescente do vizinho enquanto se masturbam. Cansei de me render ao modelo empurrado goela abaixo; vomito-o junto com minhas tripas sobre os rostos dos infelizes que me condenaram ao rancor eterno. Do auge dos meus dezoito anos, subverto-me à anarquia do dedo médio na fuça dessa autoridade expectorante. Nego a boça deles, nego suas missas, nego o recato falsário de suas filhas mimadas, aquelas montagens foscas de um belo penteado farsante. Que o nó de suas gravatas sufoque suas palavras de molde, inexpressivas e repetitivas como um sonho ruim. Não mais resignarei minhas vontades mais hostis aos calabouços das toscas rotinas fantasiadas de hábitos salutares. Minha única saúde é meu veneno cuspido nas linhas sobre as quais escrevo, cobertas da mágoa da repressão de uma felicidade subversiva. Sou um cataclisma em formação ante ao declínio do império do comodismo certinho e burocrata. Saúdo os eflúvios de uma libido animal, saldando uma nudez lasciva e condenatória. Vendo minha alma aos demônios mais escrotos, setenciados pela divindade forjada dos comedidos. Ganho a maioridade como quem perde rédeas, enquanto me algemo aos braços permissivos da minha vontade mais precipitada. Presenteio-me com o egoísmo resgatado dos recônditos de minha falsa prisão, como uma entidade cujo muito que há de aprender seja o mínimo que há de se querer. Minha ignorância é meu protesto. Meu preguiçoso escárnio ante a sua reprovação. Rasgo-me toda, em contraste com seus cacos colados pela sua pose banal de aceitação, que não passa de uma figura pálida ante a vivacidade da minha rispidez sanguinolenta. Minha atenção te renegará à clausura careta de seu desinteresse. Contente-se com a alcunha limitada por sua mediocridade, ao mesmo tempo em que deixo para trás o rastro empoeirado de minha velocidade irracional. Doutrinadores, conheçam minha anti-doutrina e se vendam/rendam à perversão que aqui evoco. Eis o negócio. Minha mistura gordurosa de desleixo, loucura e ócio.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Abraços Grátis


Com o meu cartaz e meu sorriso
te convido a um abraço preciso
Pode ser rapaz, pode ser uma menina
não há nessa esquina interesse algum
apenas o abraço de dois formando um
Tudo que talvez você queira
Na esteira de um dia dificil
seja esse novo ofício, minha atitude
de estender-lhe meus braços em solicitude.
Enconsta no meu peito,
sou de defeito e acerto como você,
não há por quê não entender
O que venho humildemente oferecer.
Oferto-te minha mão, minha humildade
Na certeza de seres meu semelhante,
Ante a beleza de sermos iguais errantes
No caminho correto de acertar quando podemos.
Nao te conheço, mas nossos caminhos aqui se juntam
Eis os meus braços os que te cruzam
Abusam da beleza de enxergar no desconhecido
Qualquer coisa que não um inimigo.
Sei que a vida moderna nos afasta
Uma baderna de tempos sem valor
Mas meu braço está aqui pra que percebas
e aceite que te enxergo com amor.
Pois um povo que se aquece
com o calor do abraço de quem não conhece
é um povo que se aceita
e que, sobretudo, se respeita.


http://www.youtube.com/watch?v=vr3x_RRJdd4
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ESTE QUE VOS ESCREVE ABRAÇA COM LOUVOR TAL INICIATIVA.

JUAN MANN, AUSTRALIANO, PRIMEIRO A PÔR EM PRÁTICA O QUE SE CHAMOU DE 'FREE HUGS', NÃO FOI APENAS O QUE INICIOU UMA BELA PRÁTICA, MAS ALGUÉM QUE TALVEZ TENHA INICIADO UMA NOVA FORMA DE VER O MUNDO. ATRAVÉS DA GENTILEZA DO BELO ATO DE ESTENDER OS BRAÇOS AO OUTRO.