sábado, setembro 22, 2007

O condenado


Quando ela voltar, diga que não estou.
Esconda em qualquer desculpa a minha farsa:
Fingida alegria de um sorriso de ator.
Diga que aquele que a amava ainda não voltou,
Minta que já estou noutra valsa
E não recluso nesta incurável dor.
Não gagueje, não se faça de desentendido;
Haja normalmente, como se fosse um simples recado.
Pergunte como está só por educação.
Nada de recuperação do amor perdido,
Nem melhoras de que algo bom está guardado...
Mas investigue tudo que puder daquele coração.
E lembre-se: sempre pose como alguém que nada quer!
Sabes bem como é mulher...
Se perguntar demais, desconfia;
Se nada disser, inventa história.
Decore tudo que ela falar, tim-tim por tim-tim,
Principalmente se for de mim.
Olhe seus dedos, veja aliança,
Note o pescoço, qualquer saliência.
Perceba se está arrumada, se parece querer ir-se logo.
Se anda bem vestida, perfumada
Se há alguém apressando-a para descer.
Qualquer coisa assim denunciativa de como está a viver.
Se houver alguém, te dirá, tenho certeza
Orgulhosa como ela, fará questão
De dar nome, sobrenome e profissão.
Não esqueça, meu amigo, siga todas minhas recomendações
Haja desse jeitinho, desse modo que eu te digo
São essas ações também um grande castigo!
Torço para que ela esteja bem, mas sem ninguém!
Ainda a amo como quem ainda quer voltar
Mas confesso que vê-la sofrer apenas um pouquinho
Compensará todos esses dias em que esperei pelo dia
Em que ela voltaria, assim, de mansinho,
E eu te pediria para mentir tudo isto por mim.
Não, não estou sendo bobo.
É que, amigo, quase morro...
E sei que um condenado que sobrevive a dores de amor
é mesmo assim.




sexta-feira, setembro 21, 2007

Hora do Adeus


Quando você entrou com as meias molhadas, jogou seus tênis no espelho e bolsa no vaso sobre a mesa, deixando rastros da noite turbulenta pela sala, achei que fosse sair de mim. Tive o ímpeto de abandoná-la na desgraça de sua embriaguez irresponsável, mas dei meia-volta quando a pena deu lugar à minha raiva. Prestes a bater a porta e arrancar a sua tontura da minha memória, escutei o ruído vergonhoso do seu desmanchar em vômito pelos carpetes da sala, rodeada de porta-retratos tão sorridentes... Entrei tomado por minha covardia frente à sua fraqueza, e te recolhi do chão em poças, amaldiçoando a mim mesmo por isto. Pu-la no colo, a carreguei ao banheiro e limpei seu rosto, seus cabelos. Despi-a, enquanto você cuspia palavrões, relatando traições da noite anterior. Sentei-a numa cadeira embaixo do chuveiro e com calma banhei seus vícios e sua sujeira inconseqüente. Enquanto fazia isto, via descer pelo ralo, juntamente à água escura da sua farra, o que restava da minha admiração. Lamentava não ser forte o suficiente para aturar suas sandices, suportar seus gritos cada vez mais freqüentes por liberdade. Meu amor não era maior do que isso. Não conseguia mais conciliar nosso compromisso ao seu desejo de solidão. Tudo isso passava por minha mente, enquanto te ensaboava, ao mesmo tempo em que você vomitava ainda mais. Logo depois, te sequei com calma e paciência, impedido por diversas vezes por seus golpes bêbados e nada certeiros. Vesti-a e pus na cama, tentando acalmá-la, rogando para que pegasse logo no sono. Enrolei-a em seu lençol mais confortável, alisei seus cabelos, tentei ternamente lembrar daquela mulher de vivacidade tal, que me fizera apaixonar. Quando percebi que já havia adormecido, levantei, peguei minhas chaves, abri a porta e dei um último olhar a quem não mais me permitiria dar mais chance alguma. De costas dada ao que um dia havia sido uma promessa para a vida inteira, virei-me ao ouvi-la dizer, num tom baixo, mas facilmente inteligível: “Não pense que é melhor do que eu. E eu te odeio por isso.” Nada respondi, fechei definitivamente aquela porta, com malas a tira colo e todo meu orgulho inflado no peito, mas doído no coração. Enquanto descia no elevador, chorei ao lembrar das duras e sinceras palavras que escutara. Mas ao sair daquele edifício, ao dar adeus àquela relação, sorria aliviado, não por saber que dali por diante tudo seria diferente. Eu poderia até errar novamente. Mas jamais esse erro me faria testemunhar tamanho definhamento. A partir dali, aprenderia o limite exato da hora certa de dizer adeus, sem que fosse literalmente para sempre.

quinta-feira, setembro 20, 2007

A humilhação de Antunes


Antunes acordou cedo. Ao lado, apenas o quente da cama deixado por Marta, já em seu compromisso com sais e cremes e hidratantes relaxantes no banho curador de seu devastador mau-humor matinal. Calçou suas sandálias, pôs o roupão que havia ganho de dia dos pais, bordado “Papai dos Sonhos” no bolso. Suíte ocupada, vontade enorme de urinar, desceu as escadas em busca do “pit-stop” mais próximo, o banheiro social do fim das escadas. Porta fechada. “Sou eu, pai”, resposta de Diego, seu filho mais velho.
Rogando uma praga à má sorte, enquanto aumentava copiosamente a vontade por uma privada, subiu as escadas, roçando as pernas no modo que todos fazemos para impedir um dilúvio, mãos em concha sobre seu órgão, inibindo qualquer jato involuntário. Ardência à vista ao se deparar com a porta trancada de sua doce Marilinha. Desespero em forma de suor na testa e caretas. A essa altura, batia na porta em sofrimento, rogando para que a filha abrisse a porta, a fim de aliviar sua tensão. Lá dentro, passos de um lado a outro. Não notou que eram quatro pés lá dentro a correr em outro tipo de desespero. Marília gritava que estava se trocando, não podia atender. Do lado de dentro, Marquinhos-Boladão, enrolado no lençol de infância de Marilinha, procurava suas roupas de baixo e suas calças, que se confundiam nos ursinhos de pelúcia e bonecas Barbie da garota.
Lá fora, um Antunes meio roxo, meio rosa, totalmente aflito, mãos quase dilacerando suas partes, olhava por todos os lados à procura de um vaso de plantas, vasilha de água do cachorro, qualquer coisa. Nada. Precisava agir rapidamente. Duas saídas: procurar novamente o banheiro de baixo e rogar ao filho que dividisse a privada por alguns segundos ou gritar pela piedade de Marta e atrapalhá-la. Escolheu a esposa, pois mais alguns passos descendo a escada significariam “Niagara Falls” descendo para a sala.
Voltava ao quarto pisando em ovos, deslizando pelo corredor num arrastar de dar pena, pensamentos focados em objetos sólidos. Última solução. Interromper Marta, sua difícil Marta, em seu momento mais seu. Já próximo da entrada do quarto, Marília começou a abrir a porta. “Graças, meu Deus”, pensou. Era agora ou nada. Antunes arriscou-se numa corrida fatal de volta ao quarto da filha, decidido a atropelá-la pelo caminho, se preciso. A urgência justificaria. No meio de seus metros rasos pelo corredor, viu a pontinha da cabeça de Marilinha observando pela porta até então entreaberta, numa atitude obviamente desconfiada a um observador em estado normal. Antunes mal notou a tentativa da filha de investigar a barra-limpa, decidido a passar até pela fina brecha que inexplicavelmente se mantinha. Dois segundos depois batia impetuosamente na porta trancada, dessa vez com um estampido.
Gritava, esbravejava, lágrimas copiosas faziam coro às batidas na porta, pressão total na parte de baixo dava o tom. A filha não respondia, enquanto a estranha correria e os sussurros se faziam perceber no quarto. A essa altura, havia pouquíssimo por fazer, sua cueca já pingava urina por todo o assoalho, mãos ainda em concha tentando impedir o desastre também se molhavam com o líquido quente e amarelo. Vazava por entre seus dedos, parede atingida, tapetes atingidos, vergonha atingida. Mais ainda quando apareciam ao mesmo tempo Marta coberta de espuma vinda do quarto, Diego angustiado pela escada, ambos chocados com a cena. Os gritos de Antunes, o rosto vermelho de Antunes, a raiva de Antunes explodiam junto com a pressão de sua uretra.
Abrindo a porta, Marilinha não viu alternativa senão revelar seu crime, no intuito de socorrer o pai perdido em apelos. Foi assim que Marta, Diego, Marilinha e Marquinhos-Boladão presenciaram a vergonha de Antunes. E foi desse mesmo jeito que Antunes, cuecas molhadas, pernas molhadas, mãos molhadas, preparava-se para matar aquele estranho que, junto com sua família presenciava sua humilhação. Pretendia fazê-lo engolir cada costura de sua cueca molhada e limpar cada poça de urina do assoalho com aquela língua furada.
Mas nada fez Antunes, pois Marta já o enxotava da cama, aos berros, derrubando-o no chão, enquanto ladrava pelos seus edredons, empapados por mililitros fedorentos de urina, os quais tentava freneticamente esfregar-lhes na cara, enquanto gritava loucamente: “Mijão! Mijão! Mijão!”, lembrando a Antunes como é difícil fugir da humilhação, quando ela se faz presente tanto nos sonhos quanto na vida real.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Apenas uma festa




Enfim chegara o dia. Era só suspiros. Mal podia esperar para descer a escadas, deslumbrante, cumprimentar a todos e refestelar-se em comemoração a mais um ano de vida. 21 anos de muita introspecção, é verdade, mas conformava-se com sua capacidade sobre-humana de projeção. Imaginação como aquela havia poucas em atividade, e seu sorriso deslumbrante enquanto abria a porta do quarto em direção aos holofotes faziam jus a essa capacidade.
De cima de seus sapatos fechados coloridos, baixos e confortáveis para a pista de dança que a aguardava, desfilava sua saia armada até o meio das coxas, repleta de babados sobrepostos. Mais acima exibia belos colo e busto, emoldurados por um tomara-que-caia negro e tentador. Olhos marcantes dos cílios postiços e da sombra carregada formavam, juntamente com o batom vermelho, a tela perfeita para os seus cabelos novos, cortados a navalha no estilo e no despojamento. Franja caída sobre um lado do rosto, alargador na orelha a mostra. Estava pronta. Auto-estima nos céus a saborear tal momento.
Durante o trajeto da descida da escada, sentia o calor que emanavam os olhares de admiração, sorrisos nervosos a esperavam lá embaixo, abraços apertados, perfumes e beijos estalados seguiam ao seu encalço. Desceu, cumprimentou a todos, agarrou-se a seu cuba libre e dirigiu-se à pista de dança. Levava consigo uma fila indiana de adoradores e puxa-sacos, dentre convidados por educação e bicões. Poucos eram os que desejava estarem ali de coração. Mas muitos serviam mesmo para saciar seu gosto pelo exibicionismo e ostentação de riqueza e beleza.
Dirigiu-se à mesa de som, e de lá não saiu a noite inteira. Quem se encorajasse a disputar sua atenção com o som enfrentaria várias dificuldades, dentre um grito, um pulo e outro grito da aniversariante. Sempre de copo em punho, esbaldava-se ao som de seus artistas favoritos – White Stripes, Killers, Cure, Sounds, Mars Volta, Björk. Rocks pesados, batidas eletrônicas e muito sotaque inglês numa festa arrasadora, como nunca havia-se visto naqueles quarteirões luxuosos. Seguia ensandecida pela pista, braços torneados ao alto, derramando rum pelo queixo, pelo decote. Rodava sinuosamente pelos outros dançarinos, todos decididos a dividir um momento sequer de toda aquela atenção que ela espontaneamente roubava para si. Sua saia desenhava seus movimentos, deslizando sobre bonitas coxas brilhosas, que terminavam em batatas da perna fortes e marcadoras de ritmo.
No auge da festa, já envolta pelos demônios do álcool, pulou na piscina e lá continuou seu número por um bom tempo. Ao sair, não perdeu a desenvoltura, agora ainda mais sensual com a roupa molhada colada ao corpo, exibindo curvas, sensualidade e charme aos convidados. A estas alturas, a madrugada já dava mostras de potência total, o cheiro de alucinógenos era o oxigênio do ambiente. Pisava em balas e se cobria pela fumaça. Perdeu-se de si mesma ao som de Paranoid Android e num quarto qualquer da casa era comida pelo que parecia ser o Fifth Cent. Em seguida, apagou de prazer.
Anestesiada, levantou-se uma hora depois, enquanto lá longe Freddy Mercury entoava “Somebody to Love”. Apenas de saia, descalça, desceu as escadas, desligou a aparelhagem de som, quebrou alguns copos de algumas mesas, olhou ao seu redor. Ninguém. Como sempre havia sido.
As mesas todas no mesmo lugar em que deixara, à exceção de algumas cadeiras que derrubara durante a noite. No bar, uma garrafa e meia de rum detonado, e diversos tipos de bebidas intocadas no freezer. Havia bagunça, e, apesar de parecer ter sido por várias pessoas, fora feita por apenas uma, que mais uma vez recolhia-se à sua concha protetora, presa à apatia que conquistara através do hábito cruel de viver de ilusões. Naquela noite, iria dormir no chão do salão de sua festa de aniversário. Mesmo que sobre aquele chão apenas seus pés tenham comemorado mais um ano de uma vida solitária guiada por uma mente que se acostumara a imaginar coisas demais.

domingo, setembro 16, 2007

O diário de Amélia Rosenbal


Encontrei o diário de Amélia Rosenbal jogado à calçada sul do condomínio. Na capa, uma pequena réplica do pôster do filme “Casablanca” colada detalhadamente com papel-contato denunciava, no mínimo, um gosto cinematográfico apurado. Folheei as páginas iniciais, no intuito de colher dados que identificassem com exatidão Amélia Rosenbal, para que prontamente pudesse devolver suas confissões escritas. Amélia Rosenbal estava praticamente desenhada naqueles dados iniciais, porém nenhuma informação útil que auxiliasse na comunicação com ela. Não havia endereço, email, telefone. Amélia Rosenbal tinha medo de ser perseguida. Porém, apenas com aquela página eu sabia que ela era doadora universal, tinha olhos castanhos, 1,68 m de altura, pesava 65 (-2) kg, e tinha rinite alérgica.
Amélia Rosenbal, de tanto preservar sua incolumidade ao omitir dados como endereço e telefone, perdera seus relatos pessoais, suas impressões dos acontecimentos de sua vida, seus amores, seus crimes, seus desabafos... Imagino como agora deve estar se sentindo Amélia Rosenbal, aquela cujas confidências agora pairam em totalidade em poder de um estranho. Amélia Rosenbal está nas mãos de um estranho! Eu poderia decifrá-la nesse exato momento. Tê-la-ia despida em meus braços. Todas as suas fraquezas e talentos mais escondidos... Todos descritos em manual, à minha vista.
Não obstante a aparente separação definitiva entre Amélia Rosenbal e seu eu-descrito-por-ela-mesma, num primeiro momento, muni-me de uma moral inabalável, juramentando à minha consciência que jamais leria o diário de Amélia Rosenbal. Contudo, minha honestidade irrestrita aos poucos foi cedendo espaço à curiosidade de conhecer Amélia Rosenbal. Talvez nesse momento ela estivesse à procura de si mesma, louca desvairada fuçando os lixos alheios, batendo às portas de todos os moradores, convocando assembléias gerais à procura de um possível detentor provisório de suas intimidades. Mas nada. Nem sinal do desespero de Amélia Rosenbal. Para tranqüilizar minha consciência, pus um pequeno aviso simpático no quadro geral do condomínio, o qual dizia:

“Cara Amélia Rosenbal, se deseja reencontrar a si mesma, estou de posse de seu querido diário. Bloco Q, aptº 602. Ass.:Pelópidas Assunção.”

Quanto mais rápido os dias passavam, mais minha angústia por descobrir Amélia Rosenbal, mulher capaz de se perder tão assim de si mesma, sem chance de retorno... Um mês com a relíquia de Amélia Rosenbal em minhas gavetas, sem que ela desse alarde da grande perda, me foi suficiente para iniciar meu estudo sobre a natureza desta pessoa tão relapsa. Pretendia devorar cada linha escrita por aqueles dedos, decifrar cada volta daquela letra arredondada.
Amélia Rosenbal era dois anos mais nova do que eu, e não me recordava haver alguma artista plástica em todo o condomínio. Se bem que num conjunto de edifícios tão grande quanto o que moro, o mais comum é não saber de muitas coisas da grande maioria dos moradores. Mas como a vizinhança desse tipo consegue ser mais astuta do que a vã razão que nos finca os pés ao chão, supus, entre mil fofocas diárias, saber, nem que fosse por um detalhe, da existência de uma artista plástica chamada Amélia Rosenbal, assim tão próxima de mim.
Ahhh, Amélia Rosenbal. Pobre Amélia Rosenbal... Duas vezes divorciada, quatro filhos, dois de cada casamento, artista plástica sem formação acadêmica, ofício herdado pela maravilha da genética. Angustiada como ela, já no primeiro dia do ano foi capaz de tomar 5 calmantes de uma só vez para festejar a distância dos quatro filhos, os quais havia deixado todos de uma só vez aos cuidados dos pais respectivos. Amanda Rosenbal havia aprontado todas naquelas férias! Foi um janeiro regado a saídas diárias com suas amigas solteiras, visitas furtivas às casadas e casos amorosos com vários rapazes da academia de ginástica. Folhas e folhas relatando o resgate da capacidade de gozar novamente, perdida entre meses de preocupações com educação dos filhos e afazeres domésticos.
Criativamente falando, tratou-se de um mês extremamente produtivo para Amélia Rosenbal, que, dentre uma noitada e outra, encontrava estímulo e inspiração para estátuas de argila em formas de homens nus, quadros erótico-surrealistas e poesias sexualmente explícitas. Assim ela descrevia suas obras. Contudo, fevereiro, juntamente com o final das férias, anunciava o retorno das crianças, e era facilmente identificável o inferno astral de Amélia Rosenbal. No carnaval, limitou-se a assistir apenas o resultado do desfile de escolas de samba do Rio de Janeiro. ‘Nem as porras dos desfiles!!!’, assim escreveu em 18 de fevereiro.
E com esse rancor, essa saudade de um janeiro fogoso e libertário, foram os meses seguintes de Amélia Rosenbal. Em sua quase totalidade, seus relatos eram lamúrias de uma vida repleta de afazeres, de bloqueios criativos causados pelo excesso de responsabilidades e desejos ilusórios de abandonar todos com ‘o primeiro surfista sub-20 que encontrasse em Maracaípe’. Isso tudo até o fatídico dia 07 de abril. Dali em diante, páginas em branco... O que teria acontecido neste dia? Que diabos de desleixo teria se acometido Amélia Rosenbal, para deixar-se perder dessa maneira?
Já havia descartado a hipótese acalentadora de ser Amélia Rosenbal minha vizinha de condomínio... Nesta altura do campeonato, já desistira de encontrar minha amiga Amélia Rosenbal. Uma mulher admiravelmente lutadora, esforçada, tão carente de afeição... Eu, aqui, também divorciado, pensão alimentícia nas costas, com uma mulher deste porte e com tal necessidade de se completar, assim como eu...Ela estava nas minhas mãos, mas em forma de palavras sofridas...
Aos poucos, a aura perturbadora de Amélia Rosenbal foi se desmistificando de minha insanidade. Paulatinamente, minha rotina foi ocupando o lugar dos pensamentos que se iniciavam com o diário e terminavam num desejo dilacerado de encontrar Amélia Rosenbal.
Certo dia, quando Amélia Rosenbal havia se tornado apenas uma quase esquecida personagem de livro de cabeceira ofuscada pela minha necessidade de viver, deparei-me com uma manchete sensacionalista de jornal, que dizia exatamente assim: “Mulher se atira de empresarial no Pina”. Ao, despretensiosamente, ler o texto, o choque: era Amélia Rosenbal, dizia a reportagem!! Pobrezinha... Não resistira à dor de uma vida de via única, de desejos amputados e submissões infinitas... Não conseguira encontrar estímulos para viver, pobre Amélia Rosenbal...Não conseguira prolongar pelo resto do ano as fulguras de um janeiro feliz.
Já, eu, aqui na minha surpresa embasbacada, coração acelerado, e arrependimento por não ter evitado o triste fim de Amélia Rosenbal, choco-me ante à percepção de que a angústia nos leva mesmo a atitudes imedidas. Conheci tanto e tão bem Amélia Rosenbal por parte de sua vida, que declarei luto por semanas em respeito àquela que nunca me serviria de amor perdido, mas me serviria como um exemplo de felicidade a se encontrar. E sempre que as forças me faltarem nessa caminhada, terei sempre o diário de minha querida Amélia Rosenbal, a representar a mulher que nunca tive, e tanto tenho por alguns bons momentos de leitura, vez em quando.