domingo, maio 28, 2006

Arrependimento


Para que não possas dizer que nunca fui capaz de nos cuidar
Olha agora e vê meu sentimento no papel
E se nem ligas para o que um dia fui capaz de estragar
Saiba que hoje minha vida é fosso, fumo e fel

Entendas que nunca quis me passar por distante
E que nosso desentendimento foi todo uma má-explicação
Que sempre na verdade tentei levar adiante
O que teimavas em chamar de falta de usar o coração

Confesso que muitas de nossas crises foram detalhes sublimados
E que muitas de nossas voltas vieram de pena e de saudade
Mas isso é a que se submetem dois apaixonados
Que não se entendem e se perdem no perigo de só enxergar maldade

Às vezes não caibo em mim de tantos arrependimentos
E choro em descompasso com a rotina que tua falta me traz
E sinto por não poder voltar a todos os momentos
Em que deixei escapar aquela que um dia trouxe a paz

Por isso eu sigo nessa vida apenas solidão
À espera de que a calma da distância alivie nossa dor
E que talvez te reencontre numa linda canção
E possamos reviver e repetir o que sempre em nós ficou: o amor
***
Arrependimento. Ou modelo para os arrependidos de tanto amor.
Texto do ano passado. Mas, que por ser tão distante de mim, se tornou atemporal.

sexta-feira, maio 26, 2006

O Pe(r)dido na entrada para o Céu


Saiba que minha vida me matou. Não que eu esteja tentando mitificar minha morte, mas é que tenho certeza que a fiz por merecer. Tenho certeza que irás me aceitar, mesmo porque entendo nunca ter sido o tipo de pessoa que mereceria um destino tão cruel quanto o inferno, lugar que não estou mais disposto a ficar daqui por diante. Nunca fui o exemplo de humanismo e cidadania, muito menos o homem de coração mais puro e honesto. Mas não fui ruim por escolha; foi por falta de uma!
Bem, mereço um espaço superior simplesmente porque a morte me consertou. Se não fui capaz de exercitar todas essas qualidades que sinto se formar em mim neste momento, que ao menos eu tenha a possibilidade de mostrá-las agora, depois da morte, às pessoas que merecem recebê-las. Portanto, se minha vida foi um rol de perversidades, como muitos podem dizer, pretendo fazer de minha morte melhor do que qualquer vida. E está na hora de pôr isto em prática.
Está certo que nunca me preocupei com os outros e sempre fiz de tudo para conquistar meus objetivos mais banais. Mas é que vistos lá de baixo, do mesmo plano, eles pareciam tão essenciais...Eu não tinha esse pensar que tenho agora...Meu egoísmo era minha característica mais latente e meu desprezo pelo resto fazia-me sentir mais importante a cada nova atitude esnobe. Nunca temi ser odiado, pelo contrário, o ódio dos outros por mim alimentava meu vultoso ego, mesmo porque sempre fiz questão de provocar a inveja alheia.
Nunca liguei por pisar em alguém...Aprendi a fazer isso praticamente desde que comecei a andar. E a mentir, desde que comecei a balbuciar minhas primeiras palavras chantagiosas! Sempre fui um líder nato e conquistava todos com minha capacidade de dissimulação extrema! Além disso, sempre fui cercado por gente muito fraca e influenciada, que se deixava levar pelos meus contos e desejos mais fúteis. Minha mãe abdicou cedo do seu papel materno e sempre se dedicou com afinco à uma vidinha vazia, com casos desamorosos. Perdi meu pai antes mesmo de conhecê-lo, e meu primeiro grande amigo foi o poodle de minha mãe, que sempre vinha me lamber após cada chute que eu dava nele.
Cresci assim, sem atenção nem conversa, distante de qualquer mundo senão aquele construído por mim mesmo. Minhas paixões sempre me custaram muito dinheiro e assim foi por toda a minha vida. Nunca conheci algo que se aproximasse do amor; até agora não sabia o que era ter o coração bater forte, senão por raiva do que não consegui obter...E foi pouca coisa...
Minhas novas conquistas eram meus mais profundos objetivos e nada estava à minha frente além do meu desejo satisfeito. Nunca fui de me socializar com ninguém. Minha Sociedade era a minha mansão, meus domínios, o interior de meus muros, as coisas que já me pertenciam e as que eu ainda queria comprar. Comprar sempre foi meu passatempo favorito; sempre valorizei o garbo e o luxo. Mas nada nunca se comparou a comprar as pessoas! Isso sempre me fez ter certeza do quanto elas são fracas e hipócritas e de como elas são capazes de vender fácil suas opiniões e suas crenças...Isso me impulsionava cada vez mais a praticar meus joguinhos de destruição alheia.
Veja você que nunca tive uma oportunidade de reflexão acerca de uma possível conversão, tendo em vista tal ambiente desprezível em que eu que eu era rei. Além do mais, nunca foi realmente minha vontade mudar. Não se pode esperar muito de alguém cujas primeiras lembranças de vida são desarranjos, um começo de uma vida desfigurada, iludida pelo brilho do ouro e ofuscada pela ostentação insana.
Saiba que estou disposto a fazer desta minha estada nos céus o exercício de uma vida que não tive, mesmo que depois de morto. A morte nunca significou nada para mim, mesmo porque no fundo eu sabia que, se ela viesse, viria para me libertar. Hoje vejo que eu precisava de liberdade, que me sentia na verdade preso à pessoa que eu era obrigado a ser. Sim, via e vejo hoje, na morte, a minha liberdade; onde eu posso ser e ter tudo que nunca quis e nunca pude.
Por isso, rogo por um canto aos seus. Peço passagem por um novo mundo onde eu possa descobrir quem eu poderia ter sido e não fui. Onde eu possa perceber que dentro de mim sempre houve uma parte escondida, que só pude agora desvelar. Onde eu me sinta mais vivo do que morto (mesmo morto), onde eu possa mais aprender do que ensinar. Necessito mais do que nunca dessa chance para perceber que fui um fruto e não a raiz de uma árvore cruel.
E, assim, peço entrada neste caminho divino e, pretenso como sou de minhas possibilidades, espero com otimismo. Assim posso provar a mim mesmo que minha falta de humanidade enquanto vivo pode ser consertada pelo exercício de humanidade enquanto morto. Se não pude ser humano onde sensivelmente deveria ter sido, deixe-me o ser onde racionalmente não o poderia. Quem sabe, assim, provo a mim, aos santos e aos anjos que há sempre uma esperança, e que meus erros de vida podem ser compensados com acertos de morte. Mesmo que uma alma como a minha não tenha realmente salvação. Quem sabe não recupero um pouco do tempo perdido, mesmo que seja através desse absurdo pedido.
*****
Para as pessoas perdidas. Sempre há uma saída.
Até a próxima viagem!!

quarta-feira, maio 24, 2006

Profissão como Reinvenção


O Homem possui dois grandes campos de atuação: o pessoal e o profissional. O primeiro, entre outros aspectos relevantes, incide sobre os moldes do caráter, da personalidade e das relações interpessoais. O segundo se relaciona à realização financeira, à posição do indivíduo na sociedade e, mais precisamente, ao seu papel enquanto agente social. Estes pontos, de extrema importância na vida de qualquer ser humano, são otimizados à medida em que se reconhecem seus valores . E, para isso, o Homem precisa aprender a reinventar-se.
Assim sendo, nos moldes da modernidade, em que vigora vorazmente a individualidade e a competição, cabe ao Homem resgatar valores mensuráveis nas suas próprias ações. O reconhecimento de que seus atos não só interferem no seu próprio destino, quanto no de toda a sociedade, é o primeiro passo para o indivíduo se reconhecer "agente social" e, assim, poder aplicar os erros de um passado imperfeito a um futuro de boas expectativas. Para isso, reside na profissão a maior arma capaz de fornecer ao Homem a capacidade de mudar, a fim de transformar erros pretéritos em tentativas de acertos possíveis.
Dessa forma, a profissão de um Homem corresponde ao motor social que o guia pelo caminho tortuoso construído pela sociedade moderna. E este mecanismo essencial de empreender mudanças, a profissão, gera os meios efetivos para o indivíduo reinventar soluções, para contornar as atuais dificuldades, através da revisão dos próprios atos. Isso se faz por meio de restabelecimento de metas, mudanças de postura, emprego de ética e do equilíbrio de doses salutares de ambição para consigo e de grande generosidade para com o próximo. Diante disso, a capacidade de transformar a sociedade reside justamente no bom emprego de suas atribuições, na constante busca de comprometimento pessoal - através do acúmulo constante de conhecimento - e de compromisso social - pela reflexão de que se tem mais a ganhar em conjunto que por conta própria.
Portanto, vê-se com clareza que, neste caso, reinventar a profissão é gerir oportunidades com base nos acertos, modificando os erros e reconhecendo o papel do profissional como ator social. O bom profissional é aquele que se reconhece peça importante para a ocorrência de mudanças positivas e, assim, busca sempre reciclar a si próprio para, posteriormente, os efeitos refletirem-se, em maior escala, na sociedade. Não obstante modelos pré-determinados ou inovações salvadoras, o mais importante para o profissional de hoje é aprender a reinventar, para fomentar oportunidades futuras, com base num presente que jamais esquece do passado.
***
Fazia tempo que não escrevia dissertação...
Homenagem à inesquecível Venusa Sá Leitão, que me ajudou nessa busca pela reinvenção.
Saudades...

segunda-feira, maio 22, 2006

questões futuras sobre o que já passou


Quanto tempo faz
e não volta mais
O que foi pra traz
não vem jamais
Se não sou capaz
de viver de novo
Só por um pouco
o que passou
Tento entender
o que esquecer
pra não me machucar
tentando lembrar
o que não vai voltar...
E se for mudar?
Eu descubro e me mudo
pra um outro mundo
que volte a ver
o que foi você
no início de tudo...
Tornando absurdos
realidade...
Mas quanta idade
hei de enfrentar
sem rever o que sobrou de você?
Que mais perder
para valorizar
sentimento...
Morre com o tempo
traz lamento,
sofrimento...
O que esconder
pra nunca precisar achar
o que já se perdeu de você?
Já não sinto mais
a escolha de reviver o que há...
Caminhos passados,
memórias de lado,
suspiro acordado,
Olhando à frente, de frente,
apenas para o que virá.

terça-feira, maio 16, 2006

última mesa de bar


Mas e agora o que é que eu faço, sem os seus carinhos, sem os seus abraços, sem o seu perfume nos lençóis manchados, sem sua histórias me envolvendo em laços? Se suas virtudes foram implantadas, se suas comédias transformaram nadas, se suas tragédias foram superadas... E agora? Vá me diga! E todas as brigas que foram resolvidas? E todas aquelas promessas, aquelas saídas? Foram vazias, ocas, sem rumo, sem vida? E todas aqueles momentos de silêncio falado, cujos olhos se encontravam, hipnotizados, e entendimentos se faziam crer? E todas as vontades de ter ao lado, todo apaixonado, te querendo ver, coração roubado, trancafiado, algema e cadeado pra você ficar ? Quem dirá? Quem virá? Quem substituirá uma presença assim, sem fim, sem a possibilidade de você perto de mim? Nada presta, só ficam lembranças de tudo que me resta. Pegue esse copo e anda, pois quem no coração manda não tem vontade de chorar. E se meu choro for pra ti honesto, e mesmo assim, meus restos você rejeitar, suma da minha vida, como leve brisa que vai sem se notar. Abandona, desaprisiona essa alma cuja verdadeira dona há de chegar. Leve suas trouxas, todas suas roupas que nunca mais vou tirar. Se encarregue de levar o aquário, a bicicleta e tudo dos armários, limpe seu cenário, preu não mais notar. Vá, e sem notícia, fique onde está, que desmitifica esse meu gostar. Vá e esconda a dificuldade de tão pouca idade, que nessas horas se faz bem notar. Quem virá? Quem dirá que as certezas de um tempo atrás viram as surpresas do que não é mais?
Não é mais! Escreve num cartaz, segue o que te apraz, não sou mais o teu rapaz, veja o que a vida faz, vá e não volte mais, e me deixe...Que hoje, pelo menos hoje, eu preciso dormir em paz.
***
"...é bom às vezes se perder, sem ter porquê, sem ter razão. É um dom saber envaidecer, por si, saber mudar de tom..."
***
Também é bom imaginar. E assim seria a última mesa de bar.

segunda-feira, maio 15, 2006

os sete


se te ...
se te ...
se te ...
se te ...
se te ...
se te ...
sete.
***
a você.



quarta-feira, maio 10, 2006

queria


Te escutar mais do que orelha
E te beijar mais do que boca

Te sentir mais do que alma
E te amar mais do que peito

Te abraçar mais do que braço
E te amarrar mais do que laço

Te encontrar mais do que olho
E te envolver mais do que molho

Te sentir mais do que medo
E te entender mais do que o resto

Te atesto. E te trago mais do que fumo
Te arrumo. E te levo mais do que pronto

Te encantar mais do que sapo
E te beijar mais do que lábio.

Te ninar mais do que berço
E te virar mais do que senso.

Te perder mais que juízo
E te prender mais do que ato

Te ficar mais do que encontro
E te dar mais do que beijo

Te desejo. E te bebo e te engulo
Te absorvo. E te levo assim sem rumo.
Te admiro. E te guardo mais que disco.
Te preciso. E te meço mais que isso.

segunda-feira, maio 08, 2006

ela tem medo de escuro


Ela sempre foi exímia mãe e trabalhadora, pessoa honesta e decente, daquelas feitas na forma e sem receita pré-determinada. Ela faz compras, limpa cocô de fralda, lembra de fazer cópia de chaves, paga os empregados, leva o celular para o conserto, atende o amor com todo o carinho, paga as contas pela internet do trabalho, lidera diversas reuniões durante o dia, pega os filhos, almoça fora, cochila dez minutos, leva o menor para a natação e o maior para o curso de inglês, volta ao trabalho, mais reuniões, telefonemas, discussões. Ela lembra de confirmar com o motorista a busca dos meninos e de confirmar a presença das babás. Ela lembra de remarcar a consulta de pediatra e do urologista do marido. Ela marca a manicure para a tarde de sábado. Ela lê os emails, ela os responde, ela come lanchinho rápido, ela quebra o salto, ela chora no banheiro, ela passa batom e garante a si mesma que faz o seu melhor. Mas ela tem medo de escuro. Ela teme os momentos que passa sozinha dentro das próprias pálpebras. Ela sofre sempre que é posta contra a parede das próprias reflexões. E, assim, ela se superocupa, se divide praticamente sem deixar restos para si mesma. Os dividendos são seus talentos e o divisor é o mundo que a cerca. E nada resta para ela. Nada ela deixa para restar. Ela não usufrui o quociente resultante das próprias ações. Como se vivesse para servir a propósitos alheios, ela é a artista principal da peça, mas não é ela que recebe o prêmio maior. Não é ela que se sente recompensada por existir e cuidar de tudo ao redor. Ela tem medo de escuro simplesmente porque a luz lhe faz muito bem quando ofusca sua realidade. E é no escuro que ela melhor enxerga os resultados dessa operação injusta. Uma simples conta na qual ela só ajuda a contar, e da qual é agente principal, mas não colhe nenhum dos frutos colhidos. Ela tem medo de escuro. Porque ele revela o que os panos da vida escondem. Porque o escuro a deixa sozinha com sua consciência. Porque ele traz consigo o balanço desproporcional que acusa apenas o doar. Nunca o receber. E só doar cansa. Ela vive uma cansativa vida de concessões de si mesma em favor dos outros. Ela vive em flashes de ilusão que se apagam quando chega o escuro. E, assim, para ela, a escuridão revela mais do que esconde. E não há como se esconder do escuro. Porque ele existe constantemente, até que alguém acenda uma farol. Até lá, ela é obrigada a conviver com os próprios medos. E esses...Ah, esses...ela nunca vai deixar de temer.