sexta-feira, novembro 30, 2007

As chaves


- Levante-se.
- Não ouse me dar ordens!!
- Então fique aí, se quiser.
-Mas, espere!! Garçom, a conta está mesmo paga?
- Sim, senhorita, está!
- Mas, que absurdo!!! Eu exijo pagar minha própria conta!!
- Perdão, senhorita, mas não poderia imaginar que não aceitaria a cordialidade...
- Cordialidade...Ele me paga ainda! Ei, mocinho, não saia, ainda quero falar com você!! Eeei...!!! Droga, droga!!! Maldito seja!!!
- Psiu...
- O que está fazendo aí?
- Vendo você em desespero...
- Desespero uma ova!! Quero tirar a limpo essa história!!!
- Percebi pelos suspiros do receio de não mais me ver...
- Eram do receio de não poder me vingar, isso sim!
- Não continue com essa auto-tortura. Ambos sabemos que já temos um link.
- Link?? Você é comediante, só pode ser...
- Eu posso ser o que você quiser...
- Então aproveitando seu bom humor forjado, vamos ao seguinte. A partir do momento em que eu retirar as chaves da minha bolsa, eu vou virar-lhe as costas e nunca mais vê-lo onde quer que seja...!!
- Posso me matar agora?
- Era o que sua mãe deveria ter feito ao primeiro choro! E deixe de gracinhas. Espero que tenha entendido muito bem!!
- Não acredito que vai abrir mão de um futuro de tanta felicidade...
- Isso é o que diz você. Você não deveria estar sequer no meu presente.
- Tudo bem, tudo bem. Cheguemos a um consenso. Talvez o fato de ter sido seguida a tenha assustado. Talvez o fato de que eu seja tão seguro também a amedronte. Mas covenhamos que nós nos completamos de certa forma.
- Não sei o que o faz pensar dessa maneira...
- Veja bem...Desconhecidos, bonitos, desempedidos, de mesmo carro, trocam olhares afetuosos durante o sinal vermelho. Parecem se gostar, o que os leva aos sorrisos. Por que tudo isso mudaria, apenas porque resolvi materializar toda a carga subjetiva que nos uniu?
- Você não vai me enrolar...
- Não estou enrolando. Agora estou falando sério. Sou um homem sério.
- Estou vendo. Mesmo assim, então tudo bem. Já que demonstrou resquício de humildade no seu discurso, deixemos tudo como está. Adeus, então.
- Espere. Está cedo ainda. Que tal irmos a outro lugar e fingir que nunca nos vimos antes?
- Impossível.
- E se você não encontrar suas chaves na bolsa?
- Por que não encontraria?
- Não sei, às vezes as pessoas perdem.
- E às vezes outras pessoas roubam. O que fez com minhas chaves?
- Nada, nada, foi apenas uma sugestão inocente...
- Nada inocente, você é diabólico...O que fez com minhas chaves?? Devolva agora!! Não as estou encontrando!!!
- Pelo jeito tem gente que vai ter que pedir carona...
- Onde estão minhas chaves ?? Diga logo!!!
- Não tenho nada ver com isso, mas se quiser, as minhas estão bem aqui... Podemos providenciar novas...
- Nada disso, não quero mais saber de você na minha vida!!! Me deixe em paz!! Você está quase me deixando louca, com esse seu cerco!!
- Senhorita, ainda bem que ainda está aqui! Suponho que estas chaves devem ser suas...Estavam próximas à sua mesa...
- Hã? ... Ah, obrigada, garçom, obrigada, são mesmo minhas...Desculpe, já estava entrando em desespero...
- Viu o que eu disse?
- Está bem, pode tripudiar de mim agora!!!
- Viu o que eu disse?
- Viu o quê?
- Você agora me deve desculpas...
- Desculpe-me. Mas que isso não o encoraje demais...
- Como pagamento você poderia me dar uma chance...
- Você não desiste mesmo, não é? Eu lhe dou 30 minutos...!!
- Para onde vamos, mademoiselle?
- Não sei, lugar com muito movimento, por favor. Não confio quase nada em você ainda.
- Ah, muito normal.. Relacionamentos duradouros se fazem com construção eterna de confiança...
- Você tem resposta pra tudo.
- E você tem uma questão pra tudo.
- Você não tem nada mesmo a ver com o sumiço de minhas chaves, não é?
- Como poderia? Não estavam na sua bolsa?
- Tudo bem, tudo bem...mas foi coincidência você citá-las.
- Tudo bem, tudo bem... Confesso que as vi caídas ao chão.
- E nada me disse??? Você é mesmo um crápula!!
- Mas é claro que avisei ao garçom ao sair..
- E se ele agisse de má-fé?
- Porque acha que montei sentinela esperando você?
- Para exibir a previsão de que eu iria seguí-lo.
- Também, também.. Mas uni o útil ao agradável.
- O agradável foi certamente a sua exibição.
- Você tem sido o mais agradável.
- E você tem sido o mais surpreendente.
- Já estamos evoluindo...
- Só não me decidi ainda qual o tipo de surpresa.
- Ainda bem que tenho 30 minutos para fazê-la tomar essa decisão.
- Utilize-os bem.
- No seu carro ou no meu?
- Cada um no seu, claro, lembra da confiança? A de passageira ainda não foi conquistada.
- Combinado. Vamos à praia, então? Calçadão, mais a frente? Muitas pessoas, não poderei sequestrá-la...
- Combinado.
- Até o próximo sinal vermelho.
- Ah, até.
- E se quiser sorrir de novo, não se reprima.
- Pode deixar. Mas serei forte e manterei a pose.
- Assim é que eu gosto.
- Assim é que eu costumo agir
- Até logo, então, posuda.
- Até logo, então, sortudo.

quarta-feira, novembro 28, 2007

O cruzamento


- Sente-se.
- Ah, que maravilha!!
- Isto foi apenas para agilizar a minha saída.
- Você não está pensando em me abandonar, está?
- De modo algum. Você terá companhia.
- Estamos começando a falar a mesma língua.
- Companhia da minha conta.
- Você sabia que quanto mais o jogo se complica, mais ele se torna atraente?
- Nada me interessa se há pessoas que nasceram para perder...
- Não cante vitória antes do tempo.
- Não mesmo. E não me considero peça desse tabuleiro.
- Isso você não pode negar. Praticamente estamos medindo forças...
- Pelo visto não concordaremos em nada.
- Discordar de tudo é a primeira atitude de quem nega identificação por capricho.
- Ou então seja uma estratégia errada para quem deseja afastamento.
- Essas coisas são relativas. Você mesmo mente para si desde que aqui cheguei.
- Tudo bem. Até onde você quer chegar com isso?
- Depende do quanto você me conquista.
- Estou fazendo todo o esforço para o contrário.
- Pelo visto está utilizando mais uma estratégia errada.
- Por que diz isso?
- Porque você me conquista a cada resposta atravessada.
- Eu gostaria mesmo era de não ter atravessado seu caminho.
- Infelizmente atravessou, há duas horas atrás.
- Como assim?
- Cruzei com você no trânsito e te sigo desde então.
- Palio metal do cruzamento da Conselheiro com Carapuceiro?
- Exatamente. Prazer em conhecer, Palio preto do cruzamento da Conselheiro com Carapuceiro...
- Que loucura!!
- Que destino, eu diria...
- Quer dizer que você me segue desde então?
- Desde que você sorriu para mim no sinal.
- E você está a me observar esse tempo todo?
- Primeiro esperei a sua companhia não chegar. Depois vim te fazer companhia.
- Péssima companhia...
- Futuro do Pretérito. Não é o que diz no presente.
- Não esbanje esse papo pedante para o meu lado. Você não tinha o direito de me seguir!
- É verdade, eu tinha o dever.
- Você se considera muito importante, não é?
- Me considero o suficiente.
- Mais do que deveria.
- Apenas quando as condições jogam comigo.
- Pois te darei uma condição. Ou você desce desse pedestal ridículo de quem infla o peito pelo disparate de seguir outros na rua, ou eu atirarei em você o que sobra em meu copo, te deixando a sós com minha despesa e sem o meu rastro.
- Enfim falamos a mesma língua!!
- Violenta??
- Decidida!
- Decido agora que você vá para o inferno!
- Só se junto com você...
- Garçom, preste atenção. A conta, e é uma ordem.
- Escute bem, garçom. Já estamos de saida.
- Eu estou de saída!!
- Que coincidência... Estou saindo também...
- Você tem problemas mentais, psicose, alguma coisa semelhante?
- Problemas, sim. Mas não dessa natureza. Não ainda.
- Você parece adorar minha irritação...
- Nada disso. Estou apenas estudando seus limites.
- Pois me escute aqui. Se você me seguir após aquela porta, eu chamo a polícia.
- Tudo bem. É você quem vai me seguir depois daquela porta...
- Isso é um absurdo!!
- Isso é uma previsão...
- Isso é uma esperança...O que está fazendo?
- Estou de saída...
- Graças a Deus...!
- Encontro você lá fora...
- Espere!! E vai me deixar só com a conta???
- Já está paga antes mesmo de conversarmos.
- ...
- Encontro com você lá fora...
- Mas..
- Levante-se.
-...



( E CONTINUA...)

segunda-feira, novembro 26, 2007

O drinque


- Posso me sentar?
- E se estivesse ocupado?
- Você me negaria.
- E se eu negar, mesmo não estando?
- Eu insistiria.
- E se eu resistisse aos seus ataques?
- Você nem os perceberia.
- É o que vocês está fazendo agora.
- De modo algum. Mal comecei a minha empreitada.
- Pois eu já terminei a minha.
- Sua resistência?
- Minha refeição.
- E você é do tipo que se vai assim que se satisfaz?
- Não. Mas sou do tipo que permanece enquanto está gostando.
- Então pelo visto iremos conversar a noite inteira.
- Humildade não é o seu forte.
- É verdade. Mas sinceridade é.
- Bem...Pedirei a conta.
- Pedirei uma chance.
- Eu passarei adiante.
- Eu ficarei para sempre.
- Em pé, para sempre.
- Que seja, se ao seu lado.
- Não inicie melodramas, por favor. Permaneça na comédia.
- Prefiro o seu suspense.
- Bem.. eu não queria cortar a sua cena, mas.. Garçom, a conta por favor!
- Garçom, mais um drinque, por favor.
- Garçom, não dê ouvidos. Para mim, a conta.
- Garçom, me dê ouvidos. Para nós, mais duas doses do que estou tomando.
- Você nem sabe se eu gosto...
- Mas sei do que eu gosto.
- Então não me inclua na próxima dose.
- Perdoe-me, mas você está em meu cardápio.
- Mas talvez seja muito caro para você.
- Você vale a dívida.
- Eu não valho o que você pode suportar, te garanto.
- Não sei o quanto você vale. Mas isso não importa.
- Você não vale nada, e isso importa.
- O valor das coisas não tem importância...
- Quando se decepciona com elas, sim.
- Basta não criar expectativas...
- E você permite?
- E você criou expectativas? Garçom, as doses, por favor.
- ...
- Para coroar o futuro brinde, e dar prosseguimento a essa agradável noite, posso, enfim, me sentar?
- Já que insiste..
- Já que você não resiste..
- Já que você é petulante...
- Já que você é irresistível...
- Sente-se.


(ESTA HISTÓRIA CONTINUA...)

sexta-feira, novembro 23, 2007

Carta pré-adolescente



Nunca quis de nada coisa alguma

Toda espera é eterna enquanto dura

Vida pensada é nenhuma

que não a ordem que se atura


Expectativa sem decepção

Impossível de achar

Nem naquela canção

Que você não soube cantar


Minha voz só no vento

Fez o eco do tremor de minha alma

Pois o aguardo dos seus alentos

Do jeito que pensas, não me acalma


Tenho a dor de te projetar em pensamento

Embora sofra por não tê-la ao peito

Tenho-na guardada, dentro

Mas por fora, nada feito.


Sei que é grave incentivar tristeza

E remoer dores, cruel demais

Mas é por sua beleza,

que meu coração corre atrás.


Difícil disfarçar, controlar qualquer fervor,

Mesmo em gente obscura como eu,

São assim, essas coisas de amor

Só não machucam aquele que disso já morreu.

terça-feira, novembro 20, 2007

Nasci para morrer


Um belo dia desses as moscas vieram bater à minha janela. Zumbiram, jogaram-se desesperadamente contra o vidro, fazendo barulhos que me acordaram das minhas profundezas. Acho que elas sentiram meu cheiro de morte. Ultimamente não tenho conseguido disfarçar minha aflições cadavéricas, minhas projeções de último suspiro. Nunca havia sido tétrico o suficiente para ser taxado de tétrico. Mas hoje pela manhã as moscas vieram salientar esse meu novo rótulo de veveno.


Abriram caminho para a minha despedida. Eu abri os olhos com a certeza de que fechá-los-ia eternamente ao final daquele dia. Estava cada vez mais próximo de meu derradeiro suspiro, de meu adeus à esta encarnação. Projetei tanto esse momento, que nunca cheguei a pensar nas hipóteses de como seria depois dele.


Do lado de cá, bem sei. Velas, choros, sofrimentos, não-amigos que se descobrem amigos, minhas qualidades na ponta das línguas lamentosas, um descarrilho de arrependimentos, palavras ditas aos ouvidos de meu corpo morto. Dois dias depois já estaria na memória. E um porta-retrato com minha foto mais apresentável me representaria friamente...


Do lado de lá, questionamentos. Mas menos curiosos do que meu grande momento. Com o meu mais querido e mastigado momento no tempo. Como deverá ser o exato momento em que meu sangue parar de circular? Deve ser algo mais ou menos parecido com a última lembrança antes do sono. Fechamos os olhos, pensamentos começam a percorrer nossa mente, falamos com nós mesmos, viajamos, viajamos e logo estamos desacordados. Talvez no momento da morte seja assim. Pelo menos a minha morte. Pois eu sei que acontecerá exatamente assim. Deitarei, despedindo-se de mim mesmo, e lá viverei meus últimos acordes. Meus olhos cansados e nervosos abrirão alas à escuridão, minha respiração ficará cada vez mais lenta, minha temperatura começará a diminuir, minhas mãos tremelicarão de ansiedade, e cada vez mais me afundarei nos meus pensamentos. Talvez meu último seja algo bem corriqueiro. Talvez eu pense no meu fone de ouvido quebrado. Ou nas moscas que me deram bom-dia mais cedo...


Mas o que interessa mesmo é deixar de pensar. Porque foi justamente essa capacidade a responsável por montar esse depressivo personagem. Essa alma cujo único objetivo de vida era deixar de ter um corpo. E meu cérebro iria concluir essa história ao fim do dia. Coração aos poucos pararia de bombear meu sangue, e lentamente me despediria da aflição de sonhar com esse momento. Não nasci para ser humano. Eu nasci para morrer.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Zoo


Há muito tempo, Gonzaga, o gorila libertino, como era conhecido em todo o zoológico, já não possuía a alegria de viver dos áureos tempo do Zoo. Já não suportava mais a convivência da vizinhança. Kate, a macaquinha levada, com os anos já nem era tão faceira. Os macacos pregos, Simão e Margarida, também já nem conversavam mais com ele, pois, sendo de gerações diferentes, só queriam saber de novas bananas transgênicas. As tão doces bananas nanicas, já desgostavam. Até seu grande brother-macaco Zeca, o chimpanzé, de uns tempos para cá, por estar velho demais, adquiriu novos hábitos introspectivos e mal saía de seu aposento, e quando o fazia, era para pedir silêncio.

Restava ao velho Gonzaga, o gorila mais libertino de todos os tempos, menos alegria ao arremeçar fezes na platéia. Suas caretas já nem o impressionavam mais, e podia jurar que também não impressionavam mais o público. Vez ou outra, Gonzaga se pegava suspirando pelos tempos passados, em que araras soltas das florestas que circundavam o Zoo vinham bicar bananas podres, e batiam aquele papo inter-classes...Foram-se os dias em que seu tratador o mimava com bananeiras de plástico, ou calças maneiras bordadas com o seu nome na traseira. Foram-se.

Agora o Zoo era um deserto de celas, nas quais seus moradores nada mais eram do que espectros do que foram um dia. As aves deveriam ter menos penas; os hipopótamos, achava até que já tinham morrido; nem o Leão dava mais os urros que vez ou outra se dava para ouvir. Camelos e lhamas já nem eram mais vistos nas cercas mais adiante. Os répteis, disseram, eram escassos, como a vegetação de hoje em dia. Mal lhe chegavam fofocas...

Haja saudades dos tempos em que o Zoo um dia era referência para os domingos daquela cidade! Não via mais crianças com bolas coloridas, como era antes. Os pedalinhos, se ainda existissem, enferrujariam por falta de uso. O cheiro fétido do lago em que eles ficavam chegava-lhe agora mais podre do que nunca. Era o esgoto do Zoo. E Gonzaga sentia-se parte desse esgoto.

Já não sentia mais vontade de comer. Já nem sequer limpavam sua sujeira. A depressão lhe tomara por completo. Os murros que antes dava no peito, eram agora nas paredes. Os urros, que antes levavam exibicionismo e saúde aos visitantes, hoje nada mais eram que muxoxos de insatisfação. Gonzaga, o gorila libertino, não via mais seu pedaço de liberdade dentro das grades que o continham. E, assim, numa noite dentro do inferno de seu 'paraíso' particular, Gonzaga se foi, com as mãos nas grades, em súplica. Com os olhos nos céus, em questionamento. Com o coraçao no chão, em tristeza. Com a alma, aos pulos, nalgum outro lugar, em felicidade. De libertino a libertado.