sexta-feira, setembro 21, 2007

Hora do Adeus


Quando você entrou com as meias molhadas, jogou seus tênis no espelho e bolsa no vaso sobre a mesa, deixando rastros da noite turbulenta pela sala, achei que fosse sair de mim. Tive o ímpeto de abandoná-la na desgraça de sua embriaguez irresponsável, mas dei meia-volta quando a pena deu lugar à minha raiva. Prestes a bater a porta e arrancar a sua tontura da minha memória, escutei o ruído vergonhoso do seu desmanchar em vômito pelos carpetes da sala, rodeada de porta-retratos tão sorridentes... Entrei tomado por minha covardia frente à sua fraqueza, e te recolhi do chão em poças, amaldiçoando a mim mesmo por isto. Pu-la no colo, a carreguei ao banheiro e limpei seu rosto, seus cabelos. Despi-a, enquanto você cuspia palavrões, relatando traições da noite anterior. Sentei-a numa cadeira embaixo do chuveiro e com calma banhei seus vícios e sua sujeira inconseqüente. Enquanto fazia isto, via descer pelo ralo, juntamente à água escura da sua farra, o que restava da minha admiração. Lamentava não ser forte o suficiente para aturar suas sandices, suportar seus gritos cada vez mais freqüentes por liberdade. Meu amor não era maior do que isso. Não conseguia mais conciliar nosso compromisso ao seu desejo de solidão. Tudo isso passava por minha mente, enquanto te ensaboava, ao mesmo tempo em que você vomitava ainda mais. Logo depois, te sequei com calma e paciência, impedido por diversas vezes por seus golpes bêbados e nada certeiros. Vesti-a e pus na cama, tentando acalmá-la, rogando para que pegasse logo no sono. Enrolei-a em seu lençol mais confortável, alisei seus cabelos, tentei ternamente lembrar daquela mulher de vivacidade tal, que me fizera apaixonar. Quando percebi que já havia adormecido, levantei, peguei minhas chaves, abri a porta e dei um último olhar a quem não mais me permitiria dar mais chance alguma. De costas dada ao que um dia havia sido uma promessa para a vida inteira, virei-me ao ouvi-la dizer, num tom baixo, mas facilmente inteligível: “Não pense que é melhor do que eu. E eu te odeio por isso.” Nada respondi, fechei definitivamente aquela porta, com malas a tira colo e todo meu orgulho inflado no peito, mas doído no coração. Enquanto descia no elevador, chorei ao lembrar das duras e sinceras palavras que escutara. Mas ao sair daquele edifício, ao dar adeus àquela relação, sorria aliviado, não por saber que dali por diante tudo seria diferente. Eu poderia até errar novamente. Mas jamais esse erro me faria testemunhar tamanho definhamento. A partir dali, aprenderia o limite exato da hora certa de dizer adeus, sem que fosse literalmente para sempre.

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