segunda-feira, setembro 17, 2007

Apenas uma festa




Enfim chegara o dia. Era só suspiros. Mal podia esperar para descer a escadas, deslumbrante, cumprimentar a todos e refestelar-se em comemoração a mais um ano de vida. 21 anos de muita introspecção, é verdade, mas conformava-se com sua capacidade sobre-humana de projeção. Imaginação como aquela havia poucas em atividade, e seu sorriso deslumbrante enquanto abria a porta do quarto em direção aos holofotes faziam jus a essa capacidade.
De cima de seus sapatos fechados coloridos, baixos e confortáveis para a pista de dança que a aguardava, desfilava sua saia armada até o meio das coxas, repleta de babados sobrepostos. Mais acima exibia belos colo e busto, emoldurados por um tomara-que-caia negro e tentador. Olhos marcantes dos cílios postiços e da sombra carregada formavam, juntamente com o batom vermelho, a tela perfeita para os seus cabelos novos, cortados a navalha no estilo e no despojamento. Franja caída sobre um lado do rosto, alargador na orelha a mostra. Estava pronta. Auto-estima nos céus a saborear tal momento.
Durante o trajeto da descida da escada, sentia o calor que emanavam os olhares de admiração, sorrisos nervosos a esperavam lá embaixo, abraços apertados, perfumes e beijos estalados seguiam ao seu encalço. Desceu, cumprimentou a todos, agarrou-se a seu cuba libre e dirigiu-se à pista de dança. Levava consigo uma fila indiana de adoradores e puxa-sacos, dentre convidados por educação e bicões. Poucos eram os que desejava estarem ali de coração. Mas muitos serviam mesmo para saciar seu gosto pelo exibicionismo e ostentação de riqueza e beleza.
Dirigiu-se à mesa de som, e de lá não saiu a noite inteira. Quem se encorajasse a disputar sua atenção com o som enfrentaria várias dificuldades, dentre um grito, um pulo e outro grito da aniversariante. Sempre de copo em punho, esbaldava-se ao som de seus artistas favoritos – White Stripes, Killers, Cure, Sounds, Mars Volta, Björk. Rocks pesados, batidas eletrônicas e muito sotaque inglês numa festa arrasadora, como nunca havia-se visto naqueles quarteirões luxuosos. Seguia ensandecida pela pista, braços torneados ao alto, derramando rum pelo queixo, pelo decote. Rodava sinuosamente pelos outros dançarinos, todos decididos a dividir um momento sequer de toda aquela atenção que ela espontaneamente roubava para si. Sua saia desenhava seus movimentos, deslizando sobre bonitas coxas brilhosas, que terminavam em batatas da perna fortes e marcadoras de ritmo.
No auge da festa, já envolta pelos demônios do álcool, pulou na piscina e lá continuou seu número por um bom tempo. Ao sair, não perdeu a desenvoltura, agora ainda mais sensual com a roupa molhada colada ao corpo, exibindo curvas, sensualidade e charme aos convidados. A estas alturas, a madrugada já dava mostras de potência total, o cheiro de alucinógenos era o oxigênio do ambiente. Pisava em balas e se cobria pela fumaça. Perdeu-se de si mesma ao som de Paranoid Android e num quarto qualquer da casa era comida pelo que parecia ser o Fifth Cent. Em seguida, apagou de prazer.
Anestesiada, levantou-se uma hora depois, enquanto lá longe Freddy Mercury entoava “Somebody to Love”. Apenas de saia, descalça, desceu as escadas, desligou a aparelhagem de som, quebrou alguns copos de algumas mesas, olhou ao seu redor. Ninguém. Como sempre havia sido.
As mesas todas no mesmo lugar em que deixara, à exceção de algumas cadeiras que derrubara durante a noite. No bar, uma garrafa e meia de rum detonado, e diversos tipos de bebidas intocadas no freezer. Havia bagunça, e, apesar de parecer ter sido por várias pessoas, fora feita por apenas uma, que mais uma vez recolhia-se à sua concha protetora, presa à apatia que conquistara através do hábito cruel de viver de ilusões. Naquela noite, iria dormir no chão do salão de sua festa de aniversário. Mesmo que sobre aquele chão apenas seus pés tenham comemorado mais um ano de uma vida solitária guiada por uma mente que se acostumara a imaginar coisas demais.

Nenhum comentário: