
A gente aprende muita coisa andando de ônibus.
As pessoas que têm um senso crítico mais apurado e que estimulam em si mesmas a pura observação são as que mais evoluem nesse aprendizado.
E eu, há um tempo atrás, antes de me tornar freqüentador assíduo dos ônibus, não tinha nenhuma dessas características. Mas, inevitavelmente, andar de ônibus me fez cultivá-las, o que me ajudou bastante a formar este ser complicado que sou hoje.
Pois bem.
Andar de ônibus me deixa muito tempo sozinho comigo mesmo. No começo de minhas andanças, que contabilizam cerca de duas horas e alguns minutos dentro de ônibus diariamente, eu nem sentia essa presença solitária de minha consciência, pois ainda o caminho me entretia, a esperança de encontrar conhecidos era viva, a possibilidade de dormir era grande - pois o cansaço era igualmente grande; e ainda é -, bem como pensar na vida era um passatempo muito bom para passar o tempo. E pus bastante em prática estas atividades: me divertia com as paisagens, esperava por conversas animadas com conhecidos que há muito não encontrava, dormia e pensava.
Mas isso tudo, sinceramente, enjoa.
Enjoa porque se cria uma rotina. E, no ônibus, é muito difícil de se quebrar essa rotina. Pelo menos até eu comprar meu aparelhinho de mp3, que vai me desligar completamente do mundo do transporte para o mundinho introspectivo de minhas músicas favoritas. Sonho com esse dia em que não mais vou precisar reparar em conversas para passar o tempo. Desejo com ansiedade o tempo em que não mais precisarei me contentar em ler "outdoors", nem ficar bolando versinhos que se, não anotar na hora, certamente vou esquecer. Cansei mesmo de ter que pôr minhas técnicas de pegar no sono em prática. (Depois eu as conto aqui). Cansei!! Eu não estou reclamando de andar de ônibus, não. Mesmo porque é uma realidade bastante real minha. Afinal meu peugeot está tão longe de se concretizar...(hehehe) Mas é que o ser humano é inerentemente insatisfeito.
E olhe que eu me satisfaço com tão pouco de tudo...
Mas, para divertir este texto chato e turrão e reivindicador de uma causa menor, aqui vão dois diálogos colhidos no ônibus, numa de minhas observações mais interessantes. Numa conversa de pai pra filho, anotei - isso mesmo, se não tivesse anotado, certamente teria esquecido - dois trechos de um longo diálogo que me fez ficar acordado em plena manhã de domingo ( muito cedo) numa de minhas idas para o fim do mundo para fazer concurso público. O garoto tinha lá seus 11, talvez até menos, ou até 12, sei lá. Eu sou péssimo para chutar idades, mas o que era certo mesmo nele era sua inteligência e esperteza. Bastante amadurecido, falava com o pai do mesmo patamar, utilizando das mesmas expressões que ele, deixando claro que era criança, mas que isso não o impedia de ter uma conversa de igual para igual com o pai. Este, em retorno, parecia estimular essas característica do filho, e travou diálogos tais com ele, que só me fizeram perceber a relação pai-filho apenas pelo modo como se chamavam. Apenas isso.
Então tá. Aí vão na íntegra, dois trechos da longa conversa ( só copiei esses, deixo bem claro) :
- Pai, Costa do Marfim é "Elefante", é?
- É.. é a "Terra dos elefantes."
- E porque o Brasil é canarinho? Que nome...
- Porque o Brasil é amarelo, ué.
- Mas, pai, tem canário de outra cor.
- Tem não.
- Tem sim !!!
- Não tem, meu filho, todo canário é amarelo!!!
- Canário da Terra ...??
- A ma re lo !!
- Oxe..então o Brasil deveria se chamar calanguinho... num tem verde...
-..., calou-se pai.
***
Mais tarde, lá pelo final da viagem, veio esse:
- Pai, no Brasil tem vulcão?
- Não, não tem.
- Poxa - respondeu o garoto, insatisfeito- , deveria ter pelo menos um....
***
Pois é...é por causa dessas e outras que uma viagem chata de ônibus pode se tornar interessante. Para pessoas acostumadas a reparar de verdade nas outras pessoas, a chatice pode se transformar.
Mas, sinceramente, até isso às vezes cansa.
Mas diz aí se esse menino num é esperto. Gostei dele.