sexta-feira, setembro 25, 2009

Desarrumando


Comecei a roer as unhas, a comer hamburguer de madrugada, a desleixar os cabelos, a não fazer a barba. Nem murchar a barriga murcho mais. Descontentei indefinidamente. Ser alguém nessa vida requer uma constante e neurótica arrumação. Não se pode descuidar de nada. Da alimentação balanceada às leituras obrigatórias. Da atenção aos amigos à boa conduta de horários. Das boas maneiras à solidariedade. Dá trabalho demais ser correto. Simplesmente porque lá fora o certo se confunde com o perfeito. Enche o saco esforçar-se para conquistar o básico, não ser reconhecido por seus passos, e ser criticado pelos resultados. Pensando nisso, não aguo mais as plantas. Elas que sofram de sede, pois só servem para manter a aparência normalizada dessa casa . Quero uma casa de concreto, sem memória, sem verdes, sem vassouras, com rastros e restos de gente. Sem personalidade. Vou aproveitar e rasgar as cortinas, deixar o sol queimar a madeira das mesas, a chuva adentrar no estofado. Eu quero mofo. Peço demissão, vendo o carro, liberto os cachorros e disputo com eles a comida, aprendo a fumar, jogo fora tudo que for de roupa alinhada. Vou tatuar dois pulmões negros nas costas como meta. E nunca mais hei de comprar um iogurte sequer. Nessa geladeira só me entra cerveja e conservante. Qualquer dia vou chamar uns colegas, fingir que somos amigos e no melhor da festa, expulso todos, só pra vê-los admirados com minha astúcia. Vou me dessocializar. Rasgo os documentos meus, os da casa, quem sabe dela alguém me expulse, se eu não botar fogo nela antes. Talvez aí, com tanto perdido, eu passe a querer ganhar. Porque realmente cansa viver direito. Prometo viver errado enquanto puder.

2 comentários:

fleur disse...

é melhor optar pelo suicído antes de fazer isso tudo, dá menos trabalho.. auehuea xD do caralho o texto, muito bom mesmo, embora bastante depressivo.. bj!

Mazes disse...

Muito. Muito. Muito bom esse texto.