quarta-feira, outubro 18, 2006

Nova no ônibus

Fiquem sabendo.Quem vier pela Domingos Ferreira, e desejar descer na Parada do Shopping Recife, e não souber, sigam as instruções que eu escutei dia desses no ônibus. Uma mulher dizia a outra:
"Táis vendo essa construção da Môra Du-Beúxi (Moura Dubeux)? Quando passar da Pizzaria Hutz (Pizza Hut), vai ter a Braidjistone (Bridgestone). Pronto. A parada é essa. Desce, fia. Bora!!"
Entenderam???? Cuidado para não se perder!!
Até outra história de ônibus.

Graforréia


Mais importante do que o que se diz é a maneira como isso que se diz chega aos ouvidos daquele a quem se destina o recado que sai daquele que deseja emitir alguma opinião sobre alguma coisa que o chamou a atenção para que alguma atitude sobre alguma coisa possa ser tomada quando alguém que deseja chamar atenção para alguma coisa tenta fazer com que outra a receba e capte tudo que se intenciona, mas se, no caminho, a experiência do que aquele quem diz o recado se confunde com a forma com que se tentou dizer, e, mais ainda, as experiências daquele que recebe suplantam a tentativa tosca de entender o recado dado, perde-se tudo que se tentou fazer com a emissão do singelo recado, que mesmo importante pode se perder no que alguém não conseguiu transmitir e no que alguém não conseguiu captar, fazendo disso um grande e claro e confuso retrato das nossas próprias vidas: uma complicada graforréia que se perde num emaranhado de palavras que parecem nunca acabar, e se fantasiam do que tanto se quer transmitir mas às vezes não se consegue, a famigerada e discutida e complicada mensagem.

domingo, outubro 15, 2006

Um pouco bagunçado


Quando cheguei havia poeira e bagunça para todo lado. Móveis revirados, discos jogados ao chão, revistas rasgadas e um coração triste no canto, com cara de culpado. Arrumei tudo cautelosamente, com cuidado e dedicação. Levantei as cadeiras, pus água nos vasos e arranjei toalhas de mesa limpas. Tudo em seu lugar. Mas resolvi deixar aquele coração arteiro de castigo, no canto, imóvel, sem se mexer. Porque talvez ele seja imaturo para perceber que ficar sozinho não é o fim do mundo. Deveria tê-lo feito consertar toda a bagunça, mas resolvi deixá-lo com a angústia da dúvida do que eu iria fazer com ele. Por enquanto, será apenas um coração no canto, de costas, sozinho e pensativo em tudo que fez e deixou de fazer. Para aprender que um coração arteiro merece nada menos que castigo. Um dia eu tiro ele de lá.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Má digestão


O fundo das meias manchavam-se com a sujeira do chão daquele cenário grotesco. Corpos vestidos de gala, smokings e longos inutilizados vestindo cadáveres. As pernas dos noivos confundiam-se com as dos seguranças; os dentes do padre agora se perdiam debaixo das saias das damas de honra. Membros e vísceras agora enfeitavam o ambiente, novos elementos da decoração. As cortinas adquiriram um tom mais róseo. Mesas e cadeiras jogadas, horror espalhado em cada emenda do salão. Enquanto limpava o suor que escorria pela testa, revirava os corpos atrás do órgão de que necessitava. Deveria estar em algum lugar por debaixo daqueles tecidos, daqueles tufos de cabelos e pêlos ensangüentados. Enquanto tropeçava entre os pedaços, ossos estalavam sob os montes de carne contorcidos regados a 'champagne' francês. Não havia nada que o fizesse desistir de sua procura insana; não desistiria de resgatar aquele que viria a ser o maior troféu do único amor que ousou rejeitá-lo. Havia anunciado que aquele coração um dia voltaria a ser dele...Logo, o procuraria nem que o seu sangue começasse a se misturar ao daqueles inúteis. Até que, enquanto ria da face de horror de uma das tias do cadáver principal, viu reluzindo sob o vestido branco o coração que procurava. Parecia ainda pulsar no momento em que o mordia com toda a força, sentindo o gosto interno das cavidades misturado ao de sangue seco. E o mastigou impetuosamente, engolindo-o com satisfação.
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Após o banquete, levantou-se calmamente e sentou-se à mesa dos noivos. Guardando a lembrança do matrimônio no bolso do paletó, calmamente levou um guardanapo à boca, limpando o sangue que dela escorria. O sangue daquela que um dia lhe negara seu amor, mas que agora era digerida pelas enzimas de seu estômago. Um brinde à má digestão.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Ensaio sobre a Maldade


O que é maldade? Para início de conversa, maldade é um pouco relativo...pois o que pode ser considerado maldade para a vítima, pode ser a solução para o seu algoz. Contudo, entendo ser a maldade um ato injusto de tal forma que prejudique outrem, impulsionado pela simples finalidade de prejudicar. A maldade está intrinsecamente ligada à inteligência e ao sofrimento. Inteligência de quem dá causa e sofrimento daquele sobre quem recaem estes efeitos.
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Sobre a inteligência: a minha humilde observação e minha leiga opinião sobre o cérebro dos seres vivos me faz perceber que, quanto mais inteligente for aquele ser, mais propício ele está de praticar atos maldosos. O que quero dizer, para exemplificar, é o fato de predadores caçarem mesmo quando não estiverem com fome. É como se a inteligência burlasse o equilíbrio da cadeia alimentar, transformando necessidades em privilégios. Agir maldosamente, ao meu ver, é tentar conseguir mais para si em detrimento de uma constante falta para o outro. Vi certaz vez num programa de televisão uma cena pavorosa de orcas caçando focas. As baleias, como seres inteligentes que são (e superiores às focas) não se contentavam simplesmente em se alimentar das focas. As orcas, nada mais, nada menos, desferiam golpes nas focas, de modo a jogá-las de uma lado a outro em pleno mar revolto. Como se espancassem as suas presas, não sei se para amaciar a carne, sei lá. Mas o que vi foi uma cena de um predador (inteligente) torturando a sua presa antes de abatê-la. Nós, homens, somos capazes da mesma coisa. Fazemos isto com as próprias orcas, belungas, golfinhos e quaisquer outros seres que nos trazem lucro. Fazemos isto com nosso Planeta!! Até com nossos semelhantes... É certo que a raça humana é 'hour-concour' na Arte da Maldade, e tanto assim o Homem consegue ser, que muitos se questionam se é da natureza da própria humanidade agir dessa forma. Ao meu ver, não. Mas que a nossa inteligência nos fornece a meticulosidade necessária para praticar tais atos, ah, isso ela dá. Ela nos concede a capacidade de criar planos, de bolar loucuras, de pisar sobre o que já está pisado. Como se o grande número de neurônios que possuímos nos impulsionasse a agir de forma injusta, provocando sofrimento e sentindo prazer pela dor alheia. E, assim, seguimos, vítimas de nossa própria maldade.
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Sobre o sofrimento: o outro lado da maldade é o de quem sofre. É o alvo do excesso de inteligência. E esse sofrimento não atinge apenas quem diretamente sofre as terríveis conseqüências desse mal, mas também aqueles que reconhecem essa injusta prática mordaz. A vítima da maldade geralmente é o lado mais fraco da relação. Leia-se mais fraco não pelo significado óbvio, mas pelo significado de ser aquela parte que, por estar em desvantagem por determinada razão, padece por isto.
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Assim, não reconheço a maldade como inerente ao Homem, mas como uma forma de exercício da fenomenal capacidade de raciocício. O pior é reconhecer que aquele que atua para o Mal é também aquele que sofre o Mal, num ciclo interminável de causas e conseqüências.
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E segue a cruel realidade. Um misto de vítimas e vitimados que se confundem no infindável rol de maldades que fazem parte, infelizmente, do que nos é mais comum: a vida.

terça-feira, outubro 10, 2006

Opinião possessiva.


Já falei bastante aqui de mudanças, de impressões, de perturbações íntimas e sugestões de sentimentos conflituosos. Já desabafei sobre o que não gosto, sobre o que odeio, sobre o que não sei, e sobre o que gostaria tanto de entender. Já falei sobre muita coisa. E Muitos dos assuntos abordados dizem respeito a mim. Disso eu sei falar perfeitamente bem. De mim. Também sei que consigo falar razoavelmente bem sobre as coisas ao meu redor. Mas muito disso tem tantos dedos meus, que, mesmo sendo sobre algo externo, é como se estivesse vendo meu reflexo em tudo que me cerca. A tarefa de quem escreve, por mais que seja um exercício de observação do que está fora, reveste-se camufladamente de uma visão egoísta do que o autor vê do mundo. Portanto, ao tentar descrever as minhas impressões sobre uma simples viagem de ônibus, é impossível para mim desvincular disso tudo a maneira como EU enxergo certos detalhes, com isenção do que estes detalhes realmente representam. Nem tudo que eu digo ou que penso é a verdade. Mas também não é falso. Não é. É, simplesmente, minha opinião sobre o fato. Minha visão. Notem o possessivo. Minha. Daí a conclusão de que toda opinião é egoísta, por mais que sua finalidade seja em prol da coletividade, por mais que sua finalidade seja de compartilhar uma idéia. Opinião é uma espécie de manifestação de auto-congratulação. É um amostramento cínico revestido de argumento.
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Mas minha intenção ao vir neste espaço hoje, além de uma mera manifestação egoísta de mostrar apenas o que vejo ou sinto, é a de dividir opinião. Por mais individual que ela seja, ela apenas deixa de só isso ser justamente na hora em que é lida. Com a leitura do outro, minha ação presunçosa de emitir minha opinião se socializa. Ela cai na interpretação de suas pupilas e de seu cérebro do modo como suas experiências lhe permitem. Mas continua sendo minha a opinião. Apenas minha. E a sua será somente a de concordar ou não. E será sua. Só sua.
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Portanto, é no mínimo interessante notar que o ato de se comunicar, por mais que envolva, no mínimo, dois sujeitos, significa a emissão e a recepção de vontades individuais. Note que muitas das conversas alheias, por maior camaradagem envolvida, sempre são revestidas de desabafos pessoais. Quando alguém chega para contar-lhe algo sobre si, o que você faz? Na mesma hora não busca um experiência parecida na SUA VIDA para contar? Uma conversa entre duas pessoas, na grande maioria (quase 99%, diz a minha experiência de observação) é nada menos do que duas pessoas falando de si, em que muitas das vezes uma praticamente nem escuta o que a outra tem a dizer; apenas procura algo a dizer.
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Na minha opinião egoísta, as pessoas deveriam prender a saber dividir mais. Inclusive seus pensamentos. Quando meu amigo chega para me dizer que viu um filme muito ruim, eu não devo como resposta pensar num filme que EU também tenha visto e tenha odiado. Eu devo, sim, tentar entender o que ele está querendo me dizer, e dar todas as oportunidades a ele de demonstrar seu ponto de vista. Afinal, aquele é um momento dele. E sabe-se lá se ele está apenas disposto a falar de si.
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Muitas vezes prejudicamos demais nossas relações quando, no momento que outro chega para dividir, passamos a substituir. Problemas da comunicação.