segunda-feira, maio 08, 2006

ela tem medo de escuro


Ela sempre foi exímia mãe e trabalhadora, pessoa honesta e decente, daquelas feitas na forma e sem receita pré-determinada. Ela faz compras, limpa cocô de fralda, lembra de fazer cópia de chaves, paga os empregados, leva o celular para o conserto, atende o amor com todo o carinho, paga as contas pela internet do trabalho, lidera diversas reuniões durante o dia, pega os filhos, almoça fora, cochila dez minutos, leva o menor para a natação e o maior para o curso de inglês, volta ao trabalho, mais reuniões, telefonemas, discussões. Ela lembra de confirmar com o motorista a busca dos meninos e de confirmar a presença das babás. Ela lembra de remarcar a consulta de pediatra e do urologista do marido. Ela marca a manicure para a tarde de sábado. Ela lê os emails, ela os responde, ela come lanchinho rápido, ela quebra o salto, ela chora no banheiro, ela passa batom e garante a si mesma que faz o seu melhor. Mas ela tem medo de escuro. Ela teme os momentos que passa sozinha dentro das próprias pálpebras. Ela sofre sempre que é posta contra a parede das próprias reflexões. E, assim, ela se superocupa, se divide praticamente sem deixar restos para si mesma. Os dividendos são seus talentos e o divisor é o mundo que a cerca. E nada resta para ela. Nada ela deixa para restar. Ela não usufrui o quociente resultante das próprias ações. Como se vivesse para servir a propósitos alheios, ela é a artista principal da peça, mas não é ela que recebe o prêmio maior. Não é ela que se sente recompensada por existir e cuidar de tudo ao redor. Ela tem medo de escuro simplesmente porque a luz lhe faz muito bem quando ofusca sua realidade. E é no escuro que ela melhor enxerga os resultados dessa operação injusta. Uma simples conta na qual ela só ajuda a contar, e da qual é agente principal, mas não colhe nenhum dos frutos colhidos. Ela tem medo de escuro. Porque ele revela o que os panos da vida escondem. Porque o escuro a deixa sozinha com sua consciência. Porque ele traz consigo o balanço desproporcional que acusa apenas o doar. Nunca o receber. E só doar cansa. Ela vive uma cansativa vida de concessões de si mesma em favor dos outros. Ela vive em flashes de ilusão que se apagam quando chega o escuro. E, assim, para ela, a escuridão revela mais do que esconde. E não há como se esconder do escuro. Porque ele existe constantemente, até que alguém acenda uma farol. Até lá, ela é obrigada a conviver com os próprios medos. E esses...Ah, esses...ela nunca vai deixar de temer.

5 comentários:

Anônimo disse...

eu tenho medo do escuro as vezes...
;)
um dos melhores esse,acho ate que barrou o da velhinha,e olhe que o da velhinha é um dos meus preferidos viu?!hehe
teu sobrenome devia ser talento!
uahuahuah
ahhh amei a foto do texto!!lindona!
beijos,meu bem!

Anônimo disse...

Higgo,
lá vem tu com tua mania de Poeta né??? Eu num já te disse que com isso tu não vai conseguir nada na vida teimoso.... KKKKKKKKKK
Ingrato, amigo ingrato!
Tu não quer saber mais de mim, mas tem nada não, eu nem te ligo tá???
Depois quando eu sumir e vc não tiver mais notícias de mim, vai se arrepender de não ter procurado sua "amiga"... ou pelo menos isso aqui que vc chama de amiga!!
Seu cocô. Amo vc!
Beijos... Sue

Anônimo disse...

tu de novo com esses textos enormes....
affff, só no domingo mesmo para ter tempo de ler estes livros que tu escreve!!!!
te amo amidjo!!!!
bjus

May

Anônimo disse...

amigo poeta
lindo!
bjoo

Bruno Guilherme Cassimiro disse...

Realmente, um verdadeiro poeta! ;)
Gostei... ;)
Abraços!